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IN "VISÃO"
22/04/19
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Desinformação na era digital
A divulgação de informações adulteradas perturba os processos eleitorais. E a verdade é que 52% dos portugueses não distinguem entre notícia e informação falsa
Dizem os entendidos que o digital é um caminho sem retorno. Go digital or die
(tornar-se digital ou morrer). A sociedade digital abre imensas
possibilidades, mas também comporta riscos. O alerta vem de quem sabe do
que fala. Paddy Cosgrave, fundador da Web Summit, considera errado pensar-se “que toda a tecnologia é boa”, pois “há tecnologias que podem destruir o mundo inteiro”.
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O estudo “Conspiração e democracia”,
realizado pela Universidade de Cambridge em nove países (Portugal,
Itália, Polónia, França, Estados Unidos, Suécia, Alemanha, Hungria e
Reino Unido), veio provar que a divulgação de informações adulteradas
perturba os processos eleitorais. A cada vinte minutos, são trocadas 2,7
milhões de mensagens no Facebook. Porque não distinguem o que é notícia
do que é boato, muitos internautas “gostam” e partilham, e partilham
mais as informações falsas que as verdadeiras. Segundo o Eurobarómetro,
52% dos portugueses não distinguem entre notícia e informação falsa.
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É
certo que a transformação digital nos pode facilitar muito a vida, não é
menos verdade que há o risco de abuso e utilização dos dados pessoais
para fins ilícitos. Basta lembrar o caso Cambridge Analytica e a
partilha de dados do Facebook, que permitiu a manipulação de milhões de
utilizadores desta rede e influenciar o resultado do referendo sobre o
Brexit. E também há provas de que a extrema-direita europeia, onde
pontificam a francesa Marine Le Pen e a italiana Giorgia Meloni, está a
usar as redes sociais de forma sistemática e organizada para disseminar
mensagens extremistas e adulteradas, criando a ilusão de um consenso em
grande escala em torno das suas ideias. Vladimir Putin há muito que
recorre à disseminação de conteúdos falsos para eleger candidatos
pró-russos nos Estados ex-soviéticos. E quem duvida da interferência
russa na eleição de Donald Trump em 2016? Atualmente, o grande alvo da
guerra de desinformação por parte da Rússia são as democracias
ocidentais, apoiando os partidos de extrema-direita e as lideranças
populistas. A desinformação automatizada é uma das novas ferramentas
mais poderosas contra a democracia.
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Caminhamos a passo largo para a distopia ficcionada por Huxley: o ser humano está a ser subjugado pelas suas invenções e cada vez mais incapaz de pensar e agir por vontade própria. Os algoritmos determinam os gostos e as escolhas políticas. Daí o original agradecimento de Matteo Salvini no dia em que foi eleito: “obrigado a Deus pela internet, obrigado a Deus pelas redes sociais, obrigado a Deus pelo Facebook”. Não é, pois, de estranhar que o presidente da Disney afirme que “Hitler teria adorado as redes sociais”, porque “criam um falso sentimento de que toda a gente tem as mesmas opiniões”.
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Caminhamos a passo largo para a distopia ficcionada por Huxley: o ser humano está a ser subjugado pelas suas invenções e cada vez mais incapaz de pensar e agir por vontade própria. Os algoritmos determinam os gostos e as escolhas políticas. Daí o original agradecimento de Matteo Salvini no dia em que foi eleito: “obrigado a Deus pela internet, obrigado a Deus pelas redes sociais, obrigado a Deus pelo Facebook”. Não é, pois, de estranhar que o presidente da Disney afirme que “Hitler teria adorado as redes sociais”, porque “criam um falso sentimento de que toda a gente tem as mesmas opiniões”.
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Em
maio, há eleições para o Parlamento Europeu. As instituições europeias
já alertaram para a previsível intensificação das campanhas de
desinformação, identificaram perigos e fizeram recomendações. Os
Estados-membros tomam medidas e definem planos de ação. A Comissão
Europeia conseguiu que Facebook, Google, Twitter e outras plataformas
assinassem um código de conduta de que já resultou a eliminação de
milhares de perfis falsos e de páginas fraudulentas, mas não é mais que
uma gota de água atirada para o descontrolado incêndio da desinformação.
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Diz-se que as verdades podem ser nuas e que as mentiras precisam de estar vestidas. Ou travestidas. Já o poeta Aleixo dizia que, “para a mentira ser segura/ e atingir profundidade,/ tem de trazer à mistura/ qualquer coisa de verdade”. Em tempo de “factos alternativos” e de “pós-verdade”, a maior parte dos cibernautas fica-se pelo “manto diáfano da fantasia” e não procura “a nudez crua da verdade”, na alegoria queirosiana. E que falta nos faz a fina ironia de Eça para nos ajudar a combater a desinformação que está a corroer os fundamentos da democracia.
Diz-se que as verdades podem ser nuas e que as mentiras precisam de estar vestidas. Ou travestidas. Já o poeta Aleixo dizia que, “para a mentira ser segura/ e atingir profundidade,/ tem de trazer à mistura/ qualquer coisa de verdade”. Em tempo de “factos alternativos” e de “pós-verdade”, a maior parte dos cibernautas fica-se pelo “manto diáfano da fantasia” e não procura “a nudez crua da verdade”, na alegoria queirosiana. E que falta nos faz a fina ironia de Eça para nos ajudar a combater a desinformação que está a corroer os fundamentos da democracia.
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22/04/19
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