10/05/2019

EDITE ESTRELA

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Desinformação na era digital

A divulgação de informações adulteradas perturba os processos eleitorais. E a verdade é que 52% dos portugueses não distinguem entre notícia e informação falsa

Dizem os entendidos que o digital é um caminho sem retorno. Go digital or die (tornar-se digital ou morrer). A sociedade digital abre imensas possibilidades, mas também comporta riscos. O alerta vem de quem sabe do que fala. Paddy Cosgrave, fundador da Web Summit, considera errado pensar-se “que toda a tecnologia é boa”, pois “há tecnologias que podem destruir o mundo inteiro”. 
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O estudo “Conspiração e democracia”, realizado pela Universidade de Cambridge em nove países (Portugal, Itália, Polónia, França, Estados Unidos, Suécia, Alemanha, Hungria e Reino Unido), veio provar que a divulgação de informações adulteradas perturba os processos eleitorais. A cada vinte minutos, são trocadas 2,7 milhões de mensagens no Facebook. Porque não distinguem o que é notícia do que é boato, muitos internautas “gostam” e partilham, e partilham mais as informações falsas que as verdadeiras. Segundo o Eurobarómetro, 52% dos portugueses não distinguem entre notícia e informação falsa.
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É certo que a transformação digital nos pode facilitar muito a vida, não é menos verdade que há o risco de abuso e utilização dos dados pessoais para fins ilícitos. Basta lembrar o caso Cambridge Analytica e a partilha de dados do Facebook, que permitiu a manipulação de milhões de utilizadores desta rede e influenciar o resultado do referendo sobre o Brexit. E também há provas de que a extrema-direita europeia, onde pontificam a francesa Marine Le Pen e a italiana Giorgia Meloni, está a usar as redes sociais de forma sistemática e organizada para disseminar mensagens extremistas e adulteradas, criando a ilusão de um consenso em grande escala em torno das suas ideias. Vladimir Putin há muito que recorre à disseminação de conteúdos falsos para eleger candidatos pró-russos nos Estados ex-soviéticos. E quem duvida da interferência russa na eleição de Donald Trump em 2016? Atualmente, o grande alvo da guerra de desinformação por parte da Rússia são as democracias ocidentais, apoiando os partidos de extrema-direita e as lideranças populistas. A desinformação automatizada é uma das novas ferramentas mais poderosas contra a democracia.
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Caminhamos a passo largo para a distopia ficcionada por Huxley: o ser humano está a ser subjugado pelas suas invenções e cada vez mais incapaz de pensar e agir por vontade própria. Os algoritmos determinam os gostos e as escolhas políticas. Daí o original agradecimento de Matteo Salvini no dia em que foi eleito: “obrigado a Deus pela internet, obrigado a Deus pelas redes sociais, obrigado a Deus pelo Facebook”. Não é, pois, de estranhar que o presidente da Disney afirme que “Hitler teria adorado as redes sociais”, porque “criam um falso sentimento de que toda a gente tem as mesmas opiniões”.
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Em maio, há eleições para o Parlamento Europeu. As instituições europeias já alertaram para a previsível intensificação das campanhas de desinformação, identificaram perigos e fizeram recomendações. Os Estados-membros tomam medidas e definem planos de ação. A Comissão Europeia conseguiu que Facebook, Google, Twitter e outras plataformas assinassem um código de conduta de que já resultou a eliminação de milhares de perfis falsos e de páginas fraudulentas, mas não é mais que uma gota de água atirada para o descontrolado incêndio da desinformação.
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Diz-se que as verdades podem ser nuas e que as mentiras precisam de estar vestidas. Ou travestidas. Já o poeta Aleixo dizia que, “para a mentira ser segura/ e atingir profundidade,/ tem de trazer à mistura/ qualquer coisa de verdade”. Em tempo de “factos alternativos” e de “pós-verdade”, a maior parte dos cibernautas fica-se pelo “manto diáfano da fantasia” e não procura “a nudez crua da verdade”, na alegoria queirosiana. E que falta nos faz a fina ironia de Eça para nos ajudar a combater a desinformação que está a corroer os fundamentos da democracia.

IN "VISÃO"
22/04/19

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