08/05/2019

CLARA RAPOSO

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O perigoso mundo de TEDs
 inspiracionais e de paixões

Afinal, devemos educar para as paixões ou para o empenho, sacrifício e crescimento, no que toca a desafios profissionais?

Fala-se, hoje em dia, na importância de seguirmos as nossas paixões, mesmo em termos profissionais, para que concretizemos um propósito. Contudo, vão surgindo vozes discordantes, que alertam para os perigos de se educar uma nova geração com esse objetivo de realização pessoal através daquilo de que gosta (ou que acha que gosta) - e não necessariamente através daquilo que faz melhor ou que é mais valorizado por terceiros. Esta questão, que pode afetar a forma como estamos a educar e a formar toda uma geração, assume maior relevância do que poderia parecer à primeira vista. Basta conversar com os mais novos para se perceber isso mesmo.

Um estudo publicado na revista Psychological Science (Implicit Theories of Interest: Finding Your Passion, de O'Keefe, Dweck e Walton), conduzido por professores de Stanford e Singapura, alerta para os perigos de se estar sistematicamente a incentivar os mais novos a seguirem as suas paixões - algo "inspiracional". De acordo com estes autores, porque é que incentivar "find your passion" pode ser nocivo? Em primeiro lugar, porque pode passar-se uma noção de facilidade que depois não se verifica na prática. Será que uma pessoa que está decidida a seguir a sua paixão e depois verifica que não está a conseguir ser bem--sucedido, se impacienta e desiste, com grande frustração? Parece que há alguma evidência nesse sentido.

O debate existente tem a ver com a diferença entre ter uma paixão (vista como algo fixo, "é aquela a coisa que eu quero fazer") e simplesmente segui-la, "versus" desenvolver uma paixão à medida que se vai fazendo um percurso educativo e profissional que, à partida, pode não parecer tão apaixonante. Em experiências conduzidas pelos autores que mencionei, parece existir alguma evidência de maior sucesso e capacidade de resiliência naqueles que não apostam tudo na sua paixão logo à partida, mas sim que investem e persistem. No fundo, esta situação parece estar alinhada com algo que já no passado aqui mencionei: a importância da capacidade de adaptação.

É bom termos estes resultados e teorias em conta quando desempenhamos o nosso papel de educadores, seja enquanto mães ou pais, seja nas universidades. Afinal, devemos educar para as paixões ou para o empenho, sacrifício e crescimento, no que toca a desafios profissionais? Será que as "business schools" devem fazer um esforço para terem um discurso "inspiracional" para o seu público-alvo bem como para empregadores com idade para serem pais e mães dos novos graduados? É uma questão pertinente. Isto leva-me ao grande mundo TED.

No sábado passado, a Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa acolheu um evento TED. Hoje quase toda a gente sabe o que são as TED conferences. Mas passar um dia inteiro a assistir a "talks" inspiracionais sucessivas deixou-me tão preocupada quanto inspirada. E passo a explicar porquê. Comecemos pelo início, pelo que são estas TED talks. Traduzido à letra, TED significa "Technology, Entertainment, Design". Essencialmente, sucedem-se num palco oradores que cativam uma larga audiência com um discurso escorreito, motivador e inspirador. Eu, que sempre gostei de discursos, também gosto das TED talks. São uma forma de divulgar ideias - uma espécie de "speaker's corner" com efeito amplificado através de transmissão na "net". Foi bonito, e certamente algo inspirador, ouvir histórias pessoais de superação de alguns e paixões de outros. Mas, para mim, há qualquer coisa que é perturbadora no ambiente de uma conferência TED.

Nestes eventos, cada um diz o que quer (e muito bem, há liberdade de expressão), mas não há debate ou contraditório. É essa a natureza das TED talks. Na plateia é frequente termos um público jovem. E, quando pensamos nos hábitos desta geração, temos a clara noção de que se vive de uma comunicação virtual, com uma impressão digital deixada no dedilhar com os polegares e com os dedos indicadores. Mas, no dia das TED talks, ou mesmo quando as visionam no YouTube, estes jovens veem uma pessoa a falar quase sempre sem outro suporte que não a sua própria voz e presença física. Desta forma, o público vê um ser humano sem artefactos a expor-se perante si e o público humaniza-se também e emociona-se de acordo com o que vê o outro expor. É uma partilha estranha, intimista em massa. Lembra um pouco, com as devidas distâncias, uma missa, um ambiente de celebração "religiosa", em que se diz uma forma diferente de ámen no fim. No entanto, quem fala, é frequente partilhar muito de si, revelar em público o que é privado, como acontece amiúde nas redes sociais.

Nas intervenções inspiracionais de caráter mais pessoal, fala-se de paixões, de obstáculos e de aceitação. Do meu ponto de vista, este é o aspeto valioso das TED talks: apelar à importância de seguir paixões, mas também alertar para a necessidade de superação e de elevar a autoestima quando surgem dificuldades. Aceitar as limitações de cada um não é fácil, mas pode ajudar a sermos melhores naquilo que fazemos e damos a nós próprios e aos outros.

PS - E, por falar de inovação científica e pedagógica na área de experimental e "behavioral economics" (ou "management"), cumprimento os meus colegas do ISEG que inauguraram esta semana o novo laboratório XLab, que promete melhor caracterizar o nosso processo de tomada de decisão. É apaixonante!

Dean do ISEG - Lisbon School of Economics & Management, Universidade de Lisboa

IN "O JORNAL DE NEGÓCIOS"
07/05719

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