02/05/2019

ANA RITA GUERRA

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Melhor dobrar que quebrar

Porque é que estão a ser investidos milhões de euros na investigação e desenvolvimento de smartphones com ecrã dobrável?

Quando Negroponte previu, no seu “Being Digital” de 1995, que o papel seria extinto dentro de alguns anos, a digitalização da sociedade ainda não tinha começado. Nessa altura, imaginava-se que seria possível criar dispositivos flexíveis, imitando as melhores características do papel e da tinta num formato maleável e ao mesmo tempo digital. Hollywood teve a mesma ideia em incontáveis filmes de ficção científica (ainda que o objectivo final seja, aparentemente, manipular hologramas que aparecem e desaparecem com um só gesto). 
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A realidade tem sido menos criativa na execução desta ideia. O poder computacional não tem precedentes, os componentes encolhem a um ritmo estonteante e a inteligência artificial está a entrar-nos pelos telefones dentro. Mas ainda não conseguimos produzir em massa dispositivos electrónicos com ecrãs que dobram sobre si mesmos. A questão é: para que os queremos?
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Há uma década demos sinal que estávamos fartos de abrir e fechar telemóveis, quando os formatos concha começaram a perder popularidade para os paralelepípedos tácteis. A ideia de misturar os dois conceitos fez aparições constantes em pedidos de patentes nos últimos anos, mas o caso de utilização continua a ser pouco claro. Muito mais quando vem com uma etiqueta de dois mil euros e se escaqueira nos primeiros dias de testes. 
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Foi o que aconteceu ao Galaxy Fold, que a Samsung anunciou em Fevereiro com data prevista de chegada ao mercado para 26 Abril. Alerta noticioso: isso não se concretizou. A fabricante, que anda a trabalhar nisto há oito anos, decidiu adiar o lançamento por tempo indeterminado, depois de algumas unidades de teste se terem partido nas mãos dos críticos. Não é o pior que já aconteceu à líder do mercado de smartphones e provavelmente não terá grande impacto na sua reputação – para uma fabricante que resiste a baterias que explodem, precipitar-se com um produto que ainda não está pronto para a ribalta é apenas um soluço. 
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 Enquanto a expectativa se desvia para as outras marcas que estão prestes a lançar dispositivos semelhantes, incluindo Huawei e Xiaomi, a reflexão sobre esta tecnologia está presa no conceito. Porque é que estão a ser investidos milhões de euros na investigação e desenvolvimento de smartphones com ecrã dobrável? Qual é o caso de uso, para lá da diferenciação morfológica e o brilharete nas conferências tecnológicas? 
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A vantagem mais óbvia é a possibilidade de ter um ecrã maior que se torna compacto quando fechado, o que permite imaginar mais espaço para multi-tarefas num dispositivo que já se tornou o rei da computação móvel. No entanto, estes dispositivos terão de ser mais robustos que os smartphones normais, que só por si já atingiram dimensões-limite para os bolsos e as mãos dos utilizadores. Os preços são proibitivos, tal como a tecnologia está hoje. E apesar de se tratar do primeiro formato diferente de telemóvel em mais de dez anos, o Fold, o Mate X e os que se seguirão têm de cumprir as mesmas leis de física e mecânica. 
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Mais interessante seria devotar esse investimento a um material – ou um formato – completamente diferente. A morte do smartphone já foi vaticinada várias vezes, mas não temos nada que o substitua realmente e o que as fabricantes enfrentam é um mercado estagnado em que todos os modelos parecem iguais. Nunca conseguimos fazer tanto com um aparelho tão pequeno, mas também nunca tivemos um ciclo de atenção tão curto e uma necessidade tão grande de novidades constantes. Os smartphones dobráveis poderão ser interessantes durante algum tempo, mas só por si não parecem mudar a essência do dispositivo. 
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Um ecrã electrónico flexível é muito difícil de desenvolver e fabricar, está mais que visto. Mas quem sabe a Apple, depois de uns anos a tirar notas com os erros dos outros, decida entrar na categoria para “revolucionar” tudo e convencer-nos que a ideia foi sua desde o princípio.

IN "DINHEIRO VIVO"
30/04/19
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