06/04/2019

PAULA COSME PINTO

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“O machismo não é grave 
porque é normal.” 
E outras piadas de Diogo Faro

A frase do título serve de mote para um vídeo satírico onde Diogo Faro recorre à ironia e ao humor para demonstrar porque é que o machismo é um assunto grave. Tão grave que não pode continuar a ser considerado normal. Tirem quatro minutos do vosso dia e vejam isto, não se vão arrepender

Quem não tem seguido o trabalho de Diogo Faro nestas matérias talvez não saiba, mas a igualdade de género, a violência contra as mulheres e a desconstrução da masculinidade tóxica têm sido pontos de partida para várias ações levadas a cabo pelo humorista. Se nunca ouviram falar do espetáculo “Lugar Estranho”, por exemplo, procurem informação, não só porque vale bem a pena ver, mas também porque é um exemplo de como se pode tentar desconstruir questões fraturantes no meio de gargalhadas. Serve esta breve introdução para contextualizar a importância e coerência do que se segue: o seu mais recente vídeo satírico intitulado “O machismo não é grave porque é normal”, que é o ponto de partida para o movimento feminista #Nãoénormal. Sim, um movimento feminista lançado por um homem, porque o feminismo felizmente não discrimina ninguém.

Lembro-me de há uns tempos ter lido uma crónica do Diogo Faro em que ele dizia o seguinte: “Eu, tal como todos os homens do país, devo um enorme pedido de desculpa a todas vocês, mulheres. Eu não sabia. Eu demorei anos a perceber, demorei anos a valorizar, demorei anos a não normalizar. Num ato de necessária empatia e humildade, o humorista referia-se aos meandros do machismo instituído, tanto aquele de enormes dimensões como o mais subtil. A um e a outro, porque é indesmentível que ambos existem, e que fazem parte de um todo que condiciona o dia-a-dia de mulheres do mundo inteiro. Volto a frisar: do mundo inteiro. Não é fazer uma crítica generalista nem tampouco uma caça às bruxas dizermos que os homens têm sido os maiores perpretadores do machismo, e também aqueles que historicamente mais beneficiam com ele. Tal como não é uma ofensa gratuita dizermos, nós mulheres, que vocês não compreendem muitas das nossas queixas porque nunca as sentiram na pele. Imaginar é uma coisa, sentir na pele é outra. Mas felizmente são muitos, mesmo muitos, os homens que têm parado para ouvir o que as mulheres têm para dizer e tomado consciência da diferença de status quo entre géneros, seja nas grandes ou nas coisas, à partida, mais insignificantes.

Como dizia o humorista naquele texto, ele não percebia. Até se ter dado ao trabalho de parar para ouvir, sem pôr as suas defesas em cima como prioridade. Sem se sentir pessoalmente atacado pela constatação de que, sim, o facto de ter nascido com o sexo masculino deu-lhe privilégios à nascença.

Privilégios que não foram propriamente uma escolha sua, mas que fazem parte da sua vida. E quando se vive uma vida inteira com privilégios que são simples dados adquiridos, é difícil pô-los em perspetiva e entender que na realidade eles – mesmo não sendo uma escolha direta - são parte de um sistema opressor para a outra metade da população. Usá-los para mudar isto é o caminho mais nobre a seguir.

Esta abertura para ouvir e ter uma tomada de consciência sobre a realidade alheia tem o condão de alvancar a mudança de comportamentos que mulheres de todo o mundo têm vindo a pedir nos últimos anos. Porque é que isto é tão importante? Porque a mudança estrutural só acontecerá quando todos estivermos envolvidos nela, comprometidos com essa meta e com a clara consciência de que este é um problema que nos diz respeito a todos e a todas, independentemente dos ganhos e prejuízos para cada um de nós. De forma mais ou menos grave, com maiores ou menores prejuízos, o machismo e a misoginia - cujo pilar central é o desrespeito pelas mulheres - estão no meio de nós.

Muitas vezes de forma visível, outras de forma silenciosa. Alastram-se como o bolor: começa como um mal menor na forma de uma simples pintinha verde inofensiva, mas quando damos conta já tomou conta do pão todo. Podemos barrar a compota que quisermos para adoçar isto, mas não há fatia de pão que lhe resista sem mazelas.

Na sequência de outras iniciativas recentes – como o desafio que lançou via Instagram para lhe enviarem histórias de violência, apelo esse que o fez receber mais de três mil relatos em 48 horas - das coisas que já ouvi Diogo Faro dizer é que foi constatando que, por ser homem, o seu discurso sobre estas temáticas é, não só mais facilmente ouvido, como recebido com menos resistência. E não o diz para seu gáudio pessoal, bem pelo contrário. Di-lo enquanto constatação de mais uma forma de desigualdade que tem por base a diferença normalizada de validação dos discursos masculinos e femininos. Ou seja, mesmo quando o tema são as dificuldades e os desafios da vida no feminino, a voz do homem é tida como mais válida e credível do que a da mulher para falar sobre isto. Se querem um exemplo simples de machismo, este é um deles.

Agora, claro que é mais fácil dizermos que o machismo é coisa daqueles países onde as mulheres andam de burqa e são apedrejadas até à morte por dá cá aquela palha. E que por cá já está tudo bem. Então elas já não estudam, trabalham e têm direito ao voto? Afinal, que raio de machismo é este de que as mulheres portuguesas, supostamente de barriguinha cheia, tanto se queixam nos dias de hoje?

Este vídeo do Diogo Faro tenta responder precisamente a esta dúvida. Usando a ironia e o humor como armas pacíficas de calibre maior para combater um inimigo que é abraçado amiúde por muitos de nós, tanto homens como mulheres. Um machismo que nos mina oportunidades, que nos pisa a dignidade, que julga a nossa índole, que tenta definir o nosso papel na sociedade, independentemente da nossa vontade e mérito individual. Um machismo que tem o condão de privilegiar uns em detrimento de outros, mas que a nossa sociedade continua a aceitar e a perpetuar como se fosse uma simples regra do jogo para a qual não há opção. Mas há. E o que Diogo Faro nos tenta mostrar com este vídeo é precisamente isso: que o machismo #Nãoénormal, por mais que sempre tenha sido assim.

Que o feminismo – palavra essa que gera tanto preconceito - não é mais do que a defesa da igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. Que tudo isto é grave e que nos cabe a todos nós alterar o paradigma no qual assenta tanta desta aceitação e apatia social perante um cenário de inegável desigualdade.

IN "EXPRESSO"
04/04/19

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