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“O machismo não é grave
porque é normal.”
E outras piadas de Diogo Faro
A frase do título serve de mote para um vídeo satírico onde Diogo Faro recorre à ironia e ao humor para demonstrar porque é que o machismo é um assunto grave. Tão grave que não pode continuar a ser considerado normal. Tirem quatro minutos do vosso dia e vejam isto, não se vão arrepender
Quem não tem seguido o trabalho de Diogo Faro
nestas matérias talvez não saiba, mas a igualdade de género, a
violência contra as mulheres e a desconstrução da masculinidade tóxica
têm sido pontos de partida para várias ações levadas a cabo pelo
humorista. Se nunca ouviram falar do espetáculo “Lugar Estranho”, por
exemplo, procurem informação, não só porque vale bem a pena ver, mas
também porque é um exemplo de como se pode tentar desconstruir questões
fraturantes no meio de gargalhadas. Serve esta breve introdução para
contextualizar a importância e coerência do que se segue: o seu mais
recente vídeo satírico intitulado “O machismo não é grave porque é
normal”, que é o ponto de partida para o movimento feminista #Nãoénormal. Sim, um movimento feminista lançado por um homem, porque o feminismo felizmente não discrimina ninguém.
Lembro-me de há uns tempos ter
lido uma crónica do Diogo Faro em que ele dizia o seguinte: “Eu, tal
como todos os homens do país, devo um enorme pedido de desculpa a todas
vocês, mulheres. Eu não sabia. Eu demorei anos a perceber, demorei anos a
valorizar, demorei anos a não normalizar. Num ato de necessária
empatia e humildade, o humorista referia-se aos meandros do machismo
instituído, tanto aquele de enormes dimensões como o mais subtil. A um e
a outro, porque é indesmentível que ambos existem, e que fazem parte de
um todo que condiciona o dia-a-dia de mulheres do mundo inteiro. Volto a
frisar: do mundo inteiro. Não é fazer uma crítica generalista nem
tampouco uma caça às bruxas dizermos que os homens têm sido os maiores
perpretadores do machismo, e também aqueles que historicamente mais
beneficiam com ele. Tal como não é uma ofensa gratuita dizermos, nós
mulheres, que vocês não compreendem muitas das nossas queixas porque
nunca as sentiram na pele. Imaginar é uma coisa, sentir na pele é outra.
Mas felizmente são muitos, mesmo muitos, os homens que têm parado para
ouvir o que as mulheres têm para dizer e tomado consciência da diferença
de status quo entre géneros, seja nas grandes ou nas coisas, à partida,
mais insignificantes.
Como dizia o humorista naquele texto, ele não percebia. Até se ter
dado ao trabalho de parar para ouvir, sem pôr as suas defesas em cima
como prioridade. Sem se sentir pessoalmente atacado pela constatação de
que, sim, o facto de ter nascido com o sexo masculino deu-lhe
privilégios à nascença.
Privilégios que não foram propriamente uma
escolha sua, mas que fazem parte da sua vida. E quando se vive uma vida
inteira com privilégios que são simples dados adquiridos, é difícil
pô-los em perspetiva e entender que na realidade eles – mesmo não sendo
uma escolha direta - são parte de um sistema opressor para a outra
metade da população. Usá-los para mudar isto é o caminho mais nobre a
seguir.
Esta abertura para ouvir e ter uma tomada de consciência
sobre a realidade alheia tem o condão de alvancar a mudança de
comportamentos que mulheres de todo o mundo têm vindo a pedir nos
últimos anos. Porque é que isto é tão importante? Porque a mudança
estrutural só acontecerá quando todos estivermos envolvidos nela,
comprometidos com essa meta e com a clara consciência de que este é um
problema que nos diz respeito a todos e a todas, independentemente dos
ganhos e prejuízos para cada um de nós. De forma mais ou menos grave,
com maiores ou menores prejuízos, o machismo e a misoginia - cujo pilar
central é o desrespeito pelas mulheres - estão no meio de nós.
Muitas
vezes de forma visível, outras de forma silenciosa. Alastram-se como o
bolor: começa como um mal menor na forma de uma simples pintinha verde
inofensiva, mas quando damos conta já tomou conta do pão todo. Podemos
barrar a compota que quisermos para adoçar isto, mas não há fatia de pão
que lhe resista sem mazelas.
Na sequência de outras iniciativas recentes – como o desafio que
lançou via Instagram para lhe enviarem histórias de violência, apelo
esse que o fez receber mais de três mil relatos em 48 horas - das coisas
que já ouvi Diogo Faro dizer é que foi constatando que, por ser homem, o
seu discurso sobre estas temáticas é, não só mais facilmente ouvido,
como recebido com menos resistência. E não o diz para seu gáudio
pessoal, bem pelo contrário. Di-lo enquanto constatação de mais uma
forma de desigualdade que tem por base a diferença normalizada de
validação dos discursos masculinos e femininos. Ou seja, mesmo quando o
tema são as dificuldades e os desafios da vida no feminino, a voz do
homem é tida como mais válida e credível do que a da mulher para falar
sobre isto. Se querem um exemplo simples de machismo, este é um deles.
Agora,
claro que é mais fácil dizermos que o machismo é coisa daqueles países
onde as mulheres andam de burqa e são apedrejadas até à morte por dá cá
aquela palha. E que por cá já está tudo bem. Então elas já não estudam,
trabalham e têm direito ao voto? Afinal, que raio de machismo é este de
que as mulheres portuguesas, supostamente de barriguinha cheia, tanto se
queixam nos dias de hoje?
Este vídeo do Diogo Faro tenta responder
precisamente a esta dúvida. Usando a ironia e o humor como armas
pacíficas de calibre maior para combater um inimigo que é abraçado
amiúde por muitos de nós, tanto homens como mulheres. Um machismo que
nos mina oportunidades, que nos pisa a dignidade, que julga a nossa
índole, que tenta definir o nosso papel na sociedade, independentemente
da nossa vontade e mérito individual. Um machismo que tem o condão de
privilegiar uns em detrimento de outros, mas que a nossa sociedade
continua a aceitar e a perpetuar como se fosse uma simples regra do jogo
para a qual não há opção. Mas há. E o que Diogo Faro nos tenta mostrar
com este vídeo é precisamente isso: que o machismo #Nãoénormal, por mais
que sempre tenha sido assim.
Que o feminismo – palavra essa que gera
tanto preconceito - não é mais do que a defesa da igualdade de direitos e
oportunidades entre homens e mulheres. Que tudo isto é grave e que nos
cabe a todos nós alterar o paradigma no qual assenta tanta desta
aceitação e apatia social perante um cenário de inegável desigualdade.
IN "EXPRESSO"
04/04/19
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