10/04/2019

MARTA BETANZOS ROIG

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As meias verdades 
do Presidente Torra

Artigo de opinião de Marta Betanzos Roig embaixadora de Espanha em Portugal, sobre entrevista do presidente da Generalitat da Catalunha.

O presidente Torra fez, na última quinta e sexta-feira, uma viagem a Portugal, onde semeou, naquele breve espaço de tempo, uma série de meias verdades, por chamá-las de alguma forma, que podem confundir a opinião pública portuguesa. Descrevo, para que os leitores possam ter a sua própria opinião, as que na minha, deixou em entrevistas dadas ao Expresso e ao Diário de Notícias e que foram reproduzidas também por outros meios.

1. "Estou em Portugal para agradecer o facto de há um ano o Parlamento português ter aprovado uma resolução a solicitar que Espanha dê uma solução política ao conflito catalão, baseada na vontade do povo da Catalunha. "( Diário de Noticias 30-3-2019).
O Presidente Torra está a agradecer ao povo português uma coisa que não lhe deu. Há um ano a Assembleia da República aprovou uma resolução a apelar uma solução política que garantisse os direitos democráticos e sociais de todos os povos de Espanha, e entre eles o catalão. Perante uma afirmação que envolve toda a cidadania portuguesa é preciso esclarecer que o Presidente Torra, no entanto, só foi recebido por alguns parlamentares, e que o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Santos Silva, disse de forma clara em Quito que, mesmo que ele pedisse, não o receberia. É falso que ele possa agradecer "o apoio do povo português" ou do Parlamento pela causa que defende

2. "Consideramo-nos herdeiros do tempo em que a Catalunha era um Estado independente." (Expresso, 30-3-2019).
A Catalunha nunca foi um Estado e menos ainda independente, mas sim um território do Reino de Aragão.

3. "...estaria muito feliz em ser português, no sentido em que vocês, na vossa Constituição, têm consagrado um artigo, o sétimo, de defesa do direito de autodeterminação dos povos."(Diário de Noticias,30-3-2019).
O Presidente Torra esquece-se de dizer que Espanha, como todos os países membros das Nações Unidas, também reconhece o direito à autodeterminação, mas apenas os territórios que foram colónias. As constituições democráticas rejeitam esta figura. Só a Etiópia e um país das Caraíbas, São Cristóvão e Neves, a recolhem legalmente para o seu próprio território.

4. "Hoje sabemos que a luta pela independência da Catalunha é uma luta pelos direitos civis, incluindo o direito à autodeterminação" (Expresso,30-3-2019). "a nossa é uma luta pelos direitos civis" (Diário de Noticias, 30,3,2019),
Misturar conscientemente direitos civis e direito à autodeterminação é um insulto à inteligência. Os direitos civis estão reconhecidos em todas as Constituições democráticas, e com certeza, tanto na espanhola como na portuguesa, mas não o direito à autodeterminação.

5. De acordo com o presidente Torra 80%, na Catalunha, apoia a sua posição política contra a monarquia e a favor da república e "querem que se realize um referendo sobre a autodeterminação da Catalunha" (Expresso,30-3-2019).
Estes 80 por cento aos que se refere o presidente é o resultado de sondagens, que todos sabemos que são interpretáveis de forma tendenciosa. Se fossem uma fonte de direito as eleições não seriam necessárias e seriamos governados por institutos de opinião pública. Esquece-se de dizer, também, que em todas as eleições até agora, ou seja em autênticas eleições livres (não numa sondagem, nem em falsos referendos como o de 1 de Outubro com subterfúgios em que se votou sem nenhuma campanha, sem recenseamento eleitoral nem contagens verificáveis), até à data os catalães que apoiam o separatismo continuam a representar uma percentagem inferior a 50%. Este sim que é um dado comprovável.

6. "Tanto os partidários do Sim à independência como os partidários do Não à independência querem resolver este conflito politicamente" (Expresso,30-3-2019)
Todos os partidos espanhóis desejam uma solução política, mas o Presidente Torra esquece-se de dizer que nem em Portugal, nem na Catalunha, nem em Espanha, nem em qualquer lugar civilizado há espaço para soluções políticas fora da Constituição e as leis democráticas. Numa democracia a única maneira de fazer política é respeitando as leis. A política também a fazem aqueles que confrontam os sistemas democráticos. Mas isso não é fazer política democrática, é outra coisa.

7. "Eu mesmo, sou alvo de uma queixa da justiça (fiscalía) por manter um cartaz na Generalitat. Querem inabilitar-me como presidente da Generalitat por manter esse cartaz..." (Expresso, 30-3-2019) "A mim queriam que desse a ordem para retirar os laços amarelos e não o vou fazer nunca. (Diário de Noticias, 30-3-2019)
Não esclarece que é um cartaz na varanda da Generalitat, uma instituição que deve representar todos os catalães, além disso exposto num período eleitoral e colocado num edifício público para fazer campanha partidária. Ninguém impede os partidos e os seus seguidores de exibir esses símbolos nas ruas ou onde quiserem, mas não nas instituições públicas de cuja neutralidade as autoridades devem ser uma garantia.

8. "Somos uma minoria nacional dentro do Estado espanhol" (Expresso,30-3-2019).
Em aplicação do Convénio Marco para a Proteção das Minorias Nacionais do Conselho de Europa, a comunidade cigana é a única minoria reconhecida em Espanha. O presidente confunde conscientemente, minoria nacional com minoria política e dessa diferença derivam importantes consequências pelo que é necessário este esclarecimento.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
01/04/19

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