20/04/2019

CRISTINA FIGUEIREDO

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48 horas de caos e três dias 
de negociações depois...

... a crise chegou ao fim. O anúncio foi feito há instantes por Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas (numa conferência de imprensa em que estavam presentes também os representantes da Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Mercadorias e do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas). O "acordo com o qual todos se pudessem sentir confortáveis", nas palavras do governante a quem Costa atribuiu a tarefa de mediar a negociação entre as partes, foi conseguido ao cabo de três dias ("difíceis, de incerteza, de alguma insegurança até" ) de intensas conversações, afirmou Pedro Nuno, jurando que houve todo "um trabalho invisível" feito "desde a primeira hora". Mas atenção: o acordo agora alcançado, e que permitiu ao Executivo gritar 'sucesso' ainda a tempo da Páscoa, apenas fixa os termos de um protocolo de negociação entre os trabalhadores e as empresas de transportes de materiais perigosos, negociação essa que tem até ao final do ano para ser concluída. Se não houver entendimento... é problema para ser lidado pelo próximo Governo, lá para o Natal. Ainda assim, o ministro quis deixar a sua "primeira palavra" justamente aos trabalhadores, saudando a "importante vitória" por eles conseguida.

Se não tivesse sido tão sério até seria motivo para rir. Seria? É. Os portugueses não brincam quando se trata de brincar. Valha-nos o sentido de humor para encarar a crise energética em que um sindicato que se julgaria menor meteu todo um país em menos de 48 horas. A greve dos motoristas de mercadorias perigosas, pré-anunciada, explicava ontem o Expresso, a 1 de abril, foi desvalorizada por todos (a começar pelo Governo, ainda que Pedro Nuno Santos garanta que "o que o Governo fez foi o que teria feito sempre nem que o pré-aviso tivesse um ano") até que todos se aperceberam que, se não se apressassem, corriam o risco de ficar apeados no fim-de-semana da Páscoa (ou, o mais tardar, segunda.feira, quando voltassem ao trabalho). Daí às filas gigantes nos postos de combustíveis, à rutura dos stocks de gasóleo, primeiro, de gasolina, depois, foi um instante. Seguiu-se um infindável efeito dominó, a demonstrar como se vai da teoria à prática do caos em menos de um fósforo: bastou um bater de asas de uma borboleta num posto de abastecimento para se começar a ouvir falar de falhas nos serviços de pronto-socorro automóvel, de intermitências nos serviços de tratamento de lixo e reciclagem, de condicionamentos no acesso a táxis e ubers, de escassez de bens essenciais em hotéis e restaurantes, de supressão de carreiras rodoviárias, de viaturas de rent-a-car em risco de ficarem encostadas, de constrangimentos na distribuição de medicamentos e de jornais, de funerárias a recusarem trasladações, de pelo menos uma autarquia (Torres Vedras) a ativar o Plano Municipal de Emergência da Proteção Civil. Tudo isto ainda antes da meia noite de ontem.

Nem de propósito, o 2:59 publicado no Expresso Diário de ontem dá-lhe acesso ao fabuloso mundo dos veículos que já não precisam de combustível. Se não faz parte desta elite e é um banal condutor de um veículo a precisar de petróleo como de pão para a boca, indisponível para esperar pela reposição da normalidade (que ainda vai demorar algum tempo, como avisou o ministro), aqui lhe deixo ainda o link para a lista dos 310 postos que o Governo tinha definido como prioritários no abastecimento (ainda que limitado até 15 litros por viatura) da população em geral.

OUTRAS NOTÍCIAS, CÁ DENTRO...
Um acidente com um autocarro de turistas alemães na ilha da Madeira teve um desfecho fatal para 29 dos passageiros. 27 ficaram feridos, entre eles o motorista e a guia turística (portugueses). As causas do sucedido (que apontam para uma falha mecânica do veículo) estão a ser investigadas pelo Ministério Público. Marcelo Rebelo de Sousa chegou a anunciar que estava a caminho do local do acidente, viajando de Falcon, mas acabou por ficar em terra e disponibilizar a aeronave (que está ao serviço de Governo e Presidência da República) para o transporte dos feridos para o continente, caso necessário. A Marta Caires, correspondente do Expresso e da SIC no Funchal, conta-lhe como aconteceu a tragédia, o pior acidente rodoviário de que há memória na ilha.

Finalmente, consequências no caso BES! Já se sabia (desde janeiro) que o Banco de Portugal (BdP) condenara o banco e três dos seus ex-administradores (entre os quais Ricardo Salgado) ao pagamento de 6,8 milhões de euros pela omissão de comunicação obrigatória dos problemas associados ao BES Angola. Ontem ficou a saber-se que a KPMG Portugal também foi alvo de uma coima de 3 milhões de euros. O BdP considera que a auditora prestou informações incompletas e falsas, a título doloso, ao supervisor, em 2014.

Quid pro quo nas negociações à esquerda para a Lei de Bases da Saúde. O Bloco de Esquerda anunciou ontem pela hora de almoço que tinha chegado a acordo com o Governo, no âmbito das negociações para a Lei de Bases da Saúde, para o fim das taxas moderadoras e das PPP na gestão dos hospitais. O PCP não terá gostado muito do que ouviu, e rapidamente assegurou aos jornalistas que o processo estava longe de fechado. Algumas horas depois, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, teve de vir garantir (em comunicado) que o Governo não chegou a acordo com um partido em particular. Admitiu, sim, que o texto da proposta apresentada pelos bloquistas "corresponde, na generalidade, a uma versão de trabalho resultante das reuniões mantidas entre o Governo e os Grupos Parlamentares". Mas já depois disto, o BE veio reafirmar tudo o que tinha dito anteriormente. Folhetim para continuar a seguir.

Por falar em saúde, já ia avançada a noite quando a Lusa divulgou que o relatório do grupo técnico independente criado pelo Governo em outubro de 2017 para avaliar os sistemas de gestão das listas de espera para consultas e cirurgias, após o Tribunal de Contas apontar para a "eliminação administrativa" de utentes, confirma isso mesmo: que a Administração do Sistema de Saúde, numa altura em que era presidida pela atual ministra, "limpou" doentes das listas de espera para consultas, e usou indevidamente mecanismos para alterar datas de inscrição de utentes para cirurgia. Aguarda-se o que dirá a ministra, Marta Temido.

Útima hora para ir seguindo no Expresso e na SIC: a eurodeputada Maria João Rodrigues viu confirmada a acusação de assédio moral, por parte do Parlamento Europeu, e será sancionada por isso.

Nos quartos de final da Liga dos Campeões, o Futebol Clube do Porto soçobrou perante o Liverpool, que marcou quatro golos aos dragões... em casa destes. A Tribuna explica o desaire aqui. Hoje jogam-se outros quartos de Final (2ª mão), mas da Liga Europa. O jogo entre o Eintracht Frankfurt e o Benfica é às 20:00h, no estádio da Luz, em Lisboa, e é transmitido na SIC.

...E LÁ FORA
Ainda o incêndio na catedral de Notre Dame. Quase mil milhões de euros já foram prometidos para a reconstrução da catedral, que o Presidente francês quer ver concluída até 2024, prazo em que ninguém acredita. Os especialistas falam de que serão precisos pelo menos dez anos.

O Governo alemão adotou novas leis que tornam mais fácil a expulsão de migrantes sem estatuto de refugiado.O ministro do Interior explicou que a legislação se destina aos casos de pessoas que esgotaram todas as vias legais para obter asilo.
O relatório do procurador especial Robert Mueller sobre a ingerência da Rússia nas presidenciais norte-americanas de 2016 e suspeitas de entrave à justiça pelo Presidente Donald Trump será divulgado (expurgado dos dados confidenciais) esta quinta-feira às 14h30 (hora portuguesa) pelo Departamento de Justiça norte-americano. Há um mês soube-se que o procurador concluira não haver provas de conluio entre Trump e Putin mas já sobre a obstrução à justiça o resumo do relatório então divulgado era omisso. Suspeita-se que Trump já sabe exatamente o que diz o relatório.

O antigo Presidente do Perú Alan Garcia morreu na sequência do tiro que disparou sobre si próprio quando ia ser preso por corrupção.

Prosseguindo uma tradição que ele próprio iniciou, o Papa Francisco volta a escolher um estabelecimento prisional para celebrar o rito de lava-pés, na missa da Ceia do Senhor de Quinta-Feira Santa, mantendo uma tradição iniciada com o seu pontificado. É às 16:30 (hora local) na Prisão de Velletri, Roma.

Noutro jogo dos quartos de final da Liga dos Campeões, o Manchester City venceu por 4-3 o Tottenham, mas este é que passou às meias-finais. O desafio, diz quem viu, foi de loucos.

FRASES
"Uma primeira palavra para os trabalhadores, que tiveram um comportamento correto ao longo dos últimos dias e obtiveram uma importante vitória"
Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, anunciando o fim da greve dos motoristas de transporte de combustíveis

"O que o Governo fez foi o que teria feito sempre, nem que o pré-aviso tivesse um ano"
idem

"Trata-se de um conflito privado. O Governo não pode fixar serviços mínimos independentemente do que for solicitado pelas partes. Fomos até ao limite do que foi solicitado pelas partes"
António Costa, primeiro-ministro, sobre a greve

"O conflito é com privados mas mexe com o interesse público. Não basta negociar a garantia de serviços mínimos, é preciso começar a negociar a questão de fundo"
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, sobre o mesmo assunto

"Bloco anuncia acordo com o Governo para fim das PPP e das taxas moderadoras"
Título de várias notícias, após conferência de imprensa do BE sobre a Lei de Bases da Saúde

"O Governo não fechou qualquer acordo com um partido em particular"
Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, em nota enviada à comunicação social

"Vamos começar a responsabilizar a senhora ministra da Saúde pelas falhas no Sistema Nacional de Saúde"
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos

"Salvem o planeta como salvaram Notre Dame"
Greta Thunberg, ativista ambiental

"Eu sei que não ajuda, mas quis dizer-lhes que vi o seu esforço"
Jurgen Klopp, treinador do Liverpool, explicando porque foi cumprimentar os jogadores do Futebol Clube do Porto depois da sua equipa os ter goleado por 4-1

O QUE ANDO A LER E A VER  
Terminei "Lisboa, Luanda, Paraíso", de Djaimilia Pereira de Almeida, que tinha começado a ler quando escrevi o último Curto, e fiquei com um travo amargo na boca: a escrita de Djaimilia é tão bonita quanto triste é o que ela nos conta. E mais não digo para não ser spoiler de quem ainda não leu e quer fazê-lo. Mas como os livros são como as cerejas, já avancei entretanto umas boas dezenas de páginas de "Guerra e Terebintina", do holandês Stefan Hertmans. É um romance histórico, um retrato de uma época (início do século XX e I Guerra Mundial) construído a partir dos dois cadernos de memórias de Urbain Martiens (o avô do autor). Uma homenagem sentida de um neto ao avô (a admiração e a ternura revelam-se, discretas, a cada parágrafo), assente numa investigação rigorosa das circunstâncias e locais da ação, descritos através de uma linguagem tão eficazmente visual que 'vemos' (nalguns pontos até 'cheiramos') o que Hertmans nos está a dizer. Aviso: é difícil fazer pause neste "filme".

Fui ver "Amadora e o Pedro dos Coelhos", uma peça produzida pelo Teatro Passagem de Nível (a 40ª produção deste grupo de teatro residente no Auditório de Alfornelos, concelho da Amadora) a partir de um texto de José Ruy, escrito propositadamente para a companhia. A ação tem lugar no restaurante de Pedro Franco, que de facto existiu na então Porcalhota (hoje Amadora), e que Eça refere n'Os Maias; pretexto para cruzar no mesmo espaço várias personagens de diferentes obras do escritor, algumas revoltadas contra o criador. Já não está em cena mas está prometida nova temporada lá mais para o verão. Vale a pena ir, assistir e aplaudir o que é um feliz exemplo do tantas vezes injustamente menorizado teatro amador que se faz por cá.

* Editora de Política da SIC

IN "EXPRESSO"
18/04/19

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