O tráfico de seres humanos, além de um retrocesso civilizacional é o maior negócio ilícito da actualidade, movimentando 32 mil milhões de dólares por ano.
O Compacto das Nações Unidas para a Migração define o combate ao
Tráfico de Seres Humanos como uma das principais prioridades. Trata-se
do maior negócio ilícito dos nossos dias, que, segundo as últimas
estatísticas, movimenta 32 mil milhões de dólares por ano. Este tipo de
ilícito é tanto mais preocupante porquanto se baseia na vulnerabilidade e
fragilidades das vítimas, na sua maioria (cerca de 80%) mulheres e
crianças. É, como se pode inferir, um crime com uma enorme componente de
género associada.
Os factores de fragilidade socioeconómica,
iliteracia, ruptura das redes sociais nos países de origem, a par da
instabilidade política e da guerra, potenciam de forma exponencial este
negócio que vive da desgraça humana a um nível nunca antes visto.
Trata-se ainda de um enorme retrocesso civilizacional, uma vez que
estamos a lidar com a escravatura contemporânea a uma escala em que a
degradação e o desrespeito pela dignidade e vida do ser humano são, a
todos os níveis, imperdoáveis.
Quando falamos de Tráfico de Seres
Humanos vem-nos de imediato à ideia a exploração sexual feminina, mas
isso é limitar o fenómeno a uma ínfima parcela. Hoje em dia, os media
vêm alertando para realidades tão chocantes como, no caso das crianças, a
adopção ilegal, a mendicidade, a remoção de órgãos, o trabalho escravo –
o qual, sobretudo na agricultura, veio introduzir no panorama do
tráfico um novo público-alvo: os homens.
Trata-se pois de um
fenómeno que, por ser transversal a toda a sociedade e a toda a
geografia, requer de todos, sociedade civil, media, entidades
governamentais e serviços de segurança, um olhar atento e uma atitude
pró-activa. Mas, para tal, há que ser rigoroso na definição do problema,
evitando incorrer em erros tais como tratar situações de Auxílio à
Imigração Ilegal como Tráfico.
Desde logo, no primeiro caso, a
noção de “vítima” é difusa, porquanto existe uma vontade do próprio em
entrar de forma ilegal num determinado país, sendo que para isso e
voluntariamente contacta os chamados “passadores”. A este propósito
relembremos que Portugal, durante os anos da Guerra Colonial e da
Ditadura, deteve nas zonas de fronteira redes muito estruturadas para o
efeito, às quais recorreram muitos dos nossos compatriotas. Trata-se de
uma ligação “meramente comercial”, que termina assim que a pessoa entra
indevidamente no país de acolhimento.
Outra coisa completamente
diferente é o tráfico. Aqui a vítima é aliciada, seduzida, enganada,
sujeita a situações contra a sua vontade, e tem associados níveis de
agressão física e psicológica, combinados com uma total ausência de
liberdade. Ora a clarificação destes dois fenómenos é essencial, quer
para que os possamos enquadrar num plano legislativo e penal, quer para
que, mais a montante, os possamos prevenir e combater.
Dizer que determinado clube ou empresa terá feito tráfico de seres humanos porque tem nas suas estruturas cidadãos irregulares que
ajudou a introduzir de forma ilegal no país, não é sério nem contribui
para o combate do fenómeno. Nesses casos trata-se de auxílio à imigração
ilegal, crime devidamente enquadrado e definido na lei. Mas não é
tráfico! As pessoas em causa não se encontram desprovidas da sua
liberdade, sujeitas a maus tratos, nem tão-pouco foram enganadas quanto à
razão da sua imigração.
Quando muito possuirão um contrato que
não corresponde ao que lhes fora prometido mas que podem denunciar
quando quiserem, sendo livres inclusive de abandonar o país onde se
encontram. Uma pessoa traficada fica automaticamente indocumentada e,
como tal, refém dos traficantes.
Confundir estes dois tipos de
crime numa altura em que se pede uma atenção redobrada ao fenómeno do
tráfico, mais não fará que desviar as atenções para um crime que
poderemos apelidar de menor. Combatê-los é necessário, mas
compreendê-los e identificá-los é essencial.
* Presidente do SINSEF - Senior Migration Expert no ICMPD
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
19/03/19
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