10/02/2019

VALDEMAR CRUZ

.






 A greve iluminada


Corria o ano de 1936 e um homem muito experimentado em lutas sociais, bom conhecedor da importância de uma greve para o movimento operário e os trabalhadores em geral, dizia, numa altura de grandes dificuldades e perigos para as lutas laborais, que “é preciso saber terminar uma greve. Essa é a condição mesma para a sua eficácia”. Chamava-se Maurice Thorez e, além de secretário-geral do Partido Comunsita Francês, foi Ministro de Estado no governo de De Gaule. Hoje, face ao exemplo dado pelo estilo de greve, chamada cirúrgica, convocada por dois pequenos sindicatos dos enfermeiros, talvez acrescentasse a necessidade de a saber iniciar e conduzir sem a transformar numa degenerescência alheia a todos os princípios e valores inerentes a uma greve convocada e dirigida, de facto, pelos trabalhadores que pretende representar.

Escudado no não cumprimento dos serviços mínimos nos Centros Hospitalares e Universitários de S. João e do Porto, e nos Centros Hospitalares de Entre o Douro e Vouga e Tondela-Viseu, o Governo decretou a requisição civil dos enfermeiros até 28 de fevereiro. A portaria define que os conselhos de administração dos centros hospitalares devem comunicar às estruturas sindicais "com a antecedência mínima de 48 horas relativamente a cada dia de greve, os atos incluídos nos serviços mínimos" ao abrigo do acórdão arbitral, bem como os meios humanos necessários para os assegurar. Os sindicatos envolvidos vão contestar, e um deles já tem Garcia Pereira como advogado.

Representantes das associações sindicais envolvidas já afirmaram não desistir das suas reivindicações, que até serão justas, ao mesmo tempo que anunciavam novas e nada ortodoxas formas de luta, como o incentivo aos enfermeiros para faltarem ao trabalho. Para isso aproveitariam o que consideram ser a possibilidade legal de não comparecer durante cinco dias seguidos sem justificação, ou dez dias intercalados.

Numa greve com demasiadas questões por explicar, tem sobressaído o papel, também ele pouco claro, na leitura do Governo, da bastonária da Ordem dos enfermeiros, cujas intervenções públicas, desde há longos meses, têm extravasado, em muito, o que se supõe serem as funções e competências de uma bastonária de uma ordem profissional.

Talvez uma das perplexidades maiores suscitadas por esta paralisação que tem proporcionado inestimáveis munições para setores empenhados em criar limitações ao direito à greve, decorra do método encontrado para financiar os grevistas, numa completa subversão do que são os conceitos éticos assimilados pelo sindicalismo português ao longo de décadas.

O PS, numa atitude que não será indiferente à dúvida sobre como é que uma greve com tão elevado potencial de impopularidade consegue obter tão generosos apoios monetários, ao ponto de terem já sido recolhidos mais de 700 mil euros, quer proibir este tipo de donativos anónimos.

Uma greve implica necessariamente custos, não apenas para quem sofre os seus efeitos, mas em particular para quem a ela adere. A criação de um sistema de financiamento aberto a contribuições externas pode ser uma forma iluminada de contornar uma dificuldade para os enfermeiros. O problema é levantar muitas reservas e sérias dúvidas quanto à origem da luz que ilumina a greve.

Ontem à noite, na sua participação no programa “A Circulatura do quadrado”, na TVI, o Presidente da República abordava esta questão para considerar “intolerável” a situação a que chegou a paralisação e sublinhar que quem promove a recolha de fundos é um movimento cívico. Porém, acrescentou, “um movimento cívico não pode declarar greves”. Quem o pode fazer são os sindicatos que, se recorrem a fundos de greves, terão de o fazer “com fundos dos sindicatos”. Como é que se prova a origem dos fundos, perguntou o PR, “se o movimento e os donativos não são identificados?”.

OUTRAS NOTÍCIAS

Afinal, o veto prometido por Marcelo Rebelo de Sousa à nova Lei de Bases da Saúde caso não seja aprovada também com os votos do PSD, pode nem ser veto, nem está prometido. O PR recuou e negou ontem na TVI que tenha uma decisão tomada. Diz acreditar, pela leitura do articulado da proposta governamental, na existência de “espaço” para um acordo alargado.

Podia ter sido outro, como disse Rui Rio, mas será Paulo Rangel o cabeça de lista do PSD às eleições para o Parlamento Europeu. O candidato arrancou com um ataque direto a António Costa.

A Comissão Europeia reviu em baixa as previsões para o crescimento da economia portuguesa em 2019. Prevê uma expansão de 1,7%, um pouco abaixo dos 2,2% adiantados pelo Governo. Ainda assim, Portugal continua a crescer acima da média da UE.

A videovigilência de Tancos estava prevista, mas só isso. O coronel Amorim Ribeiro, um dos cinco comandantes exonerados temporariamente após o furto de material militar, revelou na comissão parlamentar de inquérito que, contava ter o sistema de videovigilância a funcionar em pleno em 2012, mas nada disso aconteceu.

Doze jovens com idades entre os 16 e os 18 anos mudaram de nome e de género no cartão de cidadão desde que entrou em vigor a lei da autodeterminação da identidade de género, alterada em agosto do 2018, de acordo com dados do Instituto de Registos e Notariado (IRN), enviados à agência Lusa.

Hoje há na Assembleia da República uma audição preparatória do relatório a elaborar sobre racismo, xenofobia e discriminação étnico-racial em Portugal. Serão ouvidos representantes da Amnistia Internacional, Casa do Brasil, Associação Cabo Verdiana e Associação Moinho da Juventude, que vão descrever a discriminação nas áreas da justiça e segurança, trabalho, saúde, educação, habitação e a participação política.

É o adeus aos palcos do homem que não foi apenas da cidade. Carlos do Carmo vai fazer 80 anos em dezembro e quer deixar de cantar em público. Lançará este ano um disco e programou para novembro dois concerto, nos Coliseus de Lisboa e Porto.

LÁ FORA

França e Itália estão em pé de guerra. Será uma forma de dizer, é claro, mas os dois países andam de candeias às avessas devido ao que os franceses classificam de “declarações ultrajantes” e “ataques”e “ataques” como já não se via desde o fim da II Guerra, feitas pelo Vice-primeiro-ministro italiano. Di Maio, nem encontro com os coletes amarelos franceses, entre outros mimos, classificou Emmanuel Macron, “um muito mau presidente”. O embaixador francês em Roma foi chamado a Paris “para consultas” .

O Brexit está a transformar-se num folhetim interminável. Trinta meses depois do referendo que deu o sim à saída do Reino Unido da UE, continua a não haver acordo. Theresa May teve ontem reuniões em Bruxelas, onde chegou sem nada para negociar. A UE não está disponível para facilitar a vida e, como recordava há dias a revista francesa Marianne, cada vez mais os britânicos permanecem na dúvida surgida de uma variante de uma célebre canção dos Clash: “sould I stay or should I… stay” (“Should I stay or should I go”, no original).

Foi, segundo o jornal argentino El Clarín, num “clima de pouco otimismo” que se iniciou a cimeira do chamado “Grupo de Contacto” para encontrar uma solução para a crise na Venezuela e que reúne representantes de Espanha, França, Alemanha, Itália, Portugal, Suécia, Holanda e Reino Unido, bem como do Ecuador, Costa Rica, Uruguai e Bolívia. O El País, por sua vez, titulava que a EU lançou a sua missão diplomática venezuelana “sem ter apoios claros”.

O jornalista saudita Jamal Khashoggi foi vítima de “um assassinato brutal e premeditado” que foi “planeado e perpetrado por funcionários da Arábia Saudita”, disse hoje a relatora da Organização das Nações Unidas para a Tortura, Agnes Callamard.

O governo egípcio vai ou não cortar os subsídios ao pão nos cartões de racionamento em resultado de imposições do FMI? Esta é, pela sua importância, uma das notícias do dia no Egito. Para já, o Ministério do Abastecimento desmente.

IN "EXPRESSO"
08/02/19

.

Sem comentários: