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IN "EXAME INFORMÁTICA"
NOVEMBRO/2018
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Prontos para mais
14,55 minutos de porno?
Esqueça as pesquisas no Google; esqueça os posts do Facebook e os 280 carateres do Twitter; esqueça os achados no Aliexpress e no OLX ou mesmo os golos fantásticos d’ A Bola e do Record; esqueça os amigos do Whatsapp e as contas para pagar no site da Caixa Geral de Depósitos ou no Portal das Finanças; esqueça os lances mais espetaculares do Twitch ou as estreias ilegais no Mrpiracy. Esqueça, simplesmente. O site em que os portugueses passam mais tempo chama-se Xvideos.
Ok, vamos fingir que não sabe do que estamos a falar –
ou que nunca visitou o site. Prometo não demorar mais de 14,55 minutos a
explicar o assunto – precisamente, a média do tempo despendido por cada
português no Xvideos, segundo o conhecido ranking do Alexa. O que é o
Xvideos? Ah, é verdade, o leitor obviamente não sabe… erh… como é que
hei de dizer isto? Bom, se não for adulto saia imediatamente desta
página. Então aqui vai: o Xvideos é um site de p-o-r-n-o-g-r-a-f-i-a. Ou
melhor, de todo o tipo de pornografia. Profissional, amadora, em direto
e em diferido, hétero, gay, sado-maso, gore - ou apenas parva, que é
também a classificação que, possivelmente, os internautas dão aos tipos
de pornografia de que não gostam.
Claro que
estou ciente de que o caro leitor não sabia - nem tinha forma de saber -
o que é o Xvideos. Mas esse desconhecimento levanta uma segunda
questão: imagine que o universo estatístico estudado se resume à minha
pessoa e ao estimado leitor. Ora se o leitor nunca incorreu no erro de
entrar no Xvideos, isso significa que automaticamente passei a ser
responsável pelo visionamento de 29,50 minutos de ciberpornografia. É a
velha história dos frangos estatísticos (uma pessoa come dois frangos e
outra nada come, mas a média indica que cada pessoa come um frango) mas
aplicada aos filmes porno. O que, além de me habilitar a um prolongado
opróbrio social, não corresponde à verdade. Ou melhor, corresponde. Mas
não corresponde assim como lá está dito.
Pronto,
confesso o inconfessável: Eu já vi porno. Pior ainda: eu vi porno
minutos antes de escrever este texto – e algo me diz que por mais que
repita que «isto não é o que parece», ou que «estava em trabalho», os
meus colegas de redação que me viram atrapalhado a tentar fechar páginas
e imagens que surgiram quando comecei a recolher informação sobre o
Xvideos, dificilmente aceitam remover o selo de “taradão” que já me
colocaram virtualmente na testa.
Claro
que não hesitarei em recorrer às alíneas do código deontológico dos
jornalistas para defender a minha posição, mas se, mesmo assim, não
conseguir convencer conhecidos e desconhecidos de que não é perigoso
estar ao pé de mim quando trago uma gabardina, lá terei de usar a
estatística que me incriminou como desagravo: Em quase todos os países
da UE, no Brasil e nos EUA, o site XVideos é o campeão das sessões
longas. É verdade que em muitos países o Xvideos não supera em número de
visitas os já famosos Pornhub ou Livejasmin, mas essa é das tais
análises que qualquer “marqueteiro” de serviço poderá justificar com uma
diferença de perfis de utilizadores. O que não invalida a conclusão: o
porno tem um poder muito grande na Internet atual – ou não fossem os
sites desta temática responsáveis por valores que rondam entre quatro e
cinco por cento do tráfego mundial, segundo estatísticas da ExtremeTech
de 2015.
Fiquemo-nos
pelo Xvideos, como exemplo: segundo a SimilarWeb, é o nono site mais
visitado – sendo apenas superado pelo XNXX (que é o sétimo mais visitado
em todo o mundo) no seu segmento. Apesar de ser segundo no aguerrido
mundo das audiências em que só os primeiros mandam e desmandam, e de
algumas estatísticas revelarem um ligeiro declínio na popularidade, o
Xvideos ainda não terá desbaratado a aura que levou, um dia, o
misterioso dono do grupo WGCZ a rejeitar uma proposta de 120 milhões de
dólares que, alegadamente, havia sido apresentada pelo grupo concorrente
MindGeek. «Tenho de ir jogar Diablo II», terá dito o dono do WGCZ,
quando soube dos valores propostos pelo concorrente desejoso de criar um
grande monopólio pornográfico de escala mundial. A recusa em vender o
seu negócio não o impediu de, mais tarde, o WGCZ investir os milhões
necessários para comprar os destroços do grupo Penthouse – sem nunca ter
de abrir as portas dos discretos escritórios que mantém em Praga,
República Checa.
E
é aqui que todas as questões se levantam – e são bastante mais
pertinentes que os julgamentos moralistas sobre práticas que, afinal,
estão longe de ser incomuns. Afinal, quem manda na indústria
pornográfica, que chega a ter sites que movimentam 6 TB por minuto? E se
há uma indústria, quem são os seus trabalhadores?
Talvez
seja tempo de encarar com menos moralismo e mais pragmatismo o enorme
elefante que se mantém a descoberto em computadores, tablets e
telemóveis de todos os pontos do mundo. Nos EUA, o Congresso aprovou, em
2015, legislação que tinha em vista combater o tráfico humano associado
às mulheres obrigadas ou instigadas a seguir uma carreira como atrizes
porno, mas também deixou uma questão pertinente: será que o consumo de
pornografia desvaloriza as relações amorosas ou promove comportamentos
violentos sobre as mulheres?
Gail
Dines, socióloga que liderou os denominados American Studies, deu o
mote quando questionada pelo Huffington Post por ocasião da aprovação
das novas leis anti-tráfico humano. E lembrou que hoje a Internet é o
maior educador sexual das novas gerações: «só há duas conclusões
possíveis: ou os homens estão naturalmente dispostos a fazer aquelas
coisas às mulheres – devido à biologia – ou então estão a ser
socializados por esta cultura para perderem a empatia pelas mulheres».
Apesar de ser acusada de extremista na defesa dos direitos das mulheres,
Dines não teve dúvidas em apontar a fonte do mal: «recuso a aceitar que
os homens nascem violadores ou consumidores de pornografia».
Nos EUA,
em paralelo com os alertas de feministas, já há várias associações que
denunciam uma nova problemática social: a dependência de pornografia na
Internet. O problema é equiparado a outros vícios que a Internet
potenciou (com os jogos de azar e videojogos à cabeça), mas pode ser um
pouco mais complexo de sanar. Até porque o consumo de pornografia assume
proporções à escala planetária (a menos que haja uma fatia minoritária
da população que esteja a desequilibrar as estatísticas com acessos
permanentes que inflacionam a média individual) – e envolve questões
legais como a defesa da privacidade e a liberdade de expressão e
publicação. Além disso, há sempre a questão que se coloca: a pornografia
melhora ou piora a vida sexual das pessoas?
Fernando
Mesquita, sexólogo, dá a resposta possível: a pornografia pode
funcionar como um complemento à vida do casal e, «por si só, não causa
problema». «O problema é se passa a adição», acrescenta o sexólogo para
depois traçar um diagnóstico: «Há cada vez mais pessoas (que revelam
sinais de dependência) em contexto clínico. Também há mulheres, mas é
algo que se verifica principalmente em homens». Alteração de rotinas,
protelar obrigações e trabalho ou desistir de sair com os amigos devido à
pornografia são alguns dos sintomas de dependência elencados por
Fernando Mesquita.
O
sexólogo também lembra que a Internet tornou mais fácil e barato o
acesso à pornografia, mas tornou ainda mais notória a disparidade entre
filme e realidade e entre atores e pessoas “normais”, podendo levar os
consumidores a entrarem numa escalada por estímulos cada vez mais
intensos: «Aquilo que se vê no ecrã nem sempre é possível na vida real.
Os filmes pornográficos são feitos por atores conhecidos por outros
atributos que não a capacidade de representação, além de haver cortes e
montagens e a relação sexual durar muito mais tempo que na realidade».
Apesar
destes riscos, Fernando Mesquita não vê razão para banir a pornografia
dos hábitos das pessoas que não sofrem de dependência. E admite que
nalguns casos até pode ter vantagens: «também pode despertar outro tipo
de estímulos». A questão está para durar. E a presença do Xvideos no
pódio das audiências também.
IN "EXAME INFORMÁTICA"
NOVEMBRO/2018
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