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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
05/01/18
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Como branquear
um nazi na TV(I)
Ao contrário do que muita gente pensa e defende, ser racista não é crime. Ser nazi também não. Nem ser mentiroso. Tão-pouco dar tempo de antena a um nazi mentiroso. Não será sequer ilegal. É só repugnante.
Quinta-feira foi um grande dia para Mário Machado. Esteve em dois
programas da TVI, um de entretenimento - o de Manuel Luís Goucha - e
outro de alegada informação (SOS24), e correu-lhe muito bem. Na página de Facebook do seu movimento, escrevia-se: "Objectivo n.º 1 - Atingido! "Chegar às pessoas!'".
Porque, como deveria ser óbvio, o simples facto de convidar um nazi condenado a uma infinidade de anos de prisão - em 2012, as penas consecutivas somavam mais de 19, que resultaram num cúmulo jurídico de dez
-, na sua maioria por crimes violentos, para o sofá de um programa de
entretenimento, entre uma rubrica que ensina a fazer pastéis e outra em
que se impinge vendas aos idosos, é uma forma de o embalar como pessoa
"normal", aceitável, até "simpática". Machado sabe isso, claro. Dá para
acreditar que Goucha e a TVI não saibam?
Aliás, como ninguém
convida um nazi criminoso para um programa destes para dizer: "Caros
telespectadores, aqui temos este grandessíssimo nazi criminoso para
ficarem cheios de nojo dele e de nós por o termos trazido", Machado foi
apresentado, no programa como no Facebook de Goucha - que depois apagou o
post, supõe-se que pela enxurrada de críticas (a liberdade de expressão
é muito boa, mas) -, como um mero "autor de declarações polémicas." Transformando
um criminoso que professa uma ideologia violenta numa pessoa
"controversa", que pode e deve, como aliás defende Goucha, ser
"contraditada com argumentos": "Ele tem os dele e nós temos os nossos."
Essa é a armadilha em que o apresentador, por irresponsabilidade,
soberba e ingenuidade, caiu: a de achar que poderia fazer um brilharete
"desmontando" Machado sem sequer saber quem tem na frente, e portanto
induzindo os seus espectadores no mesmo erro. É certo que o
convidado foi questionado sobre os seus crimes. Mas quem o fez,
apresentando-se como "repórter", limitou-se a ouvi-lo afirmar que tinha
sido preso preventivamente - e injustamente - em 1995 por suspeitas de
envolvimento na morte do português negro Alcindo Monteiro, assassinado à
pancada por um grupo de skinheads no 10 de Junho desse ano, e
que fora solto em 1997 por ser "absolvido". Deixou-o queixar-se: "É um
fardo que carrego, pesadíssimo para mim e a minha família."
Pobre Mário Machado. De facto não foi condenado por essa morte; foi
condenado em 1997, pelo Supremo - no mesmo processo em que outros
membros do grupo foram condenados pelo homicídio qualificado de Alcindo
-, a dois anos e seis meses de prisão, em cúmulo jurídico, por fazer
parte desse gangue que foi ao centro de Lisboa com o objetivo de agredir
negros e pela autoria material de cinco dessas agressões, duas delas
resultando em traumatismos cranianos. Estaria a espancar outros negros
quando os amigos mataram Alcindo.
"Denota completa ausência de arrependimento", lê-se no acórdão. Ausência
de arrependimento evidente 23 anos depois ao apresentar-se como vítima
do "falhanço da nossa justiça" e repetir a mentira que o grupo
apresentou desde o primeiro momento: que se tratou de "um confronto
entre nacionalistas e africanos no Bairro Alto", quando, deu-se como
provado, Machado e amigos iam armados com soqueiras, tacos e botas de
ponta de aço à caça de negros para agredir, querendo "com essa atuação,
integrada nos objetivos do grupo de skins, contribuir para a expulsão de Portugal daquele grupo racial."
Nada
disso Goucha ou o seu "repórter" souberam ou quiseram evidenciar. Como
os escritos racistas e nazis muito mais recentes de Machado, as fotos a
fazer a saudação nazi, as tatuagens nazis, a informação sobre as suas
condenações, a última das quais, a sete anos e dois meses por roubo,
sequestro, coação e posse ilegal de arma, é de 2010 - esteve preso até
2017, quando saiu em condicional. É de resto tal a profusão e a
gravidade das condenações que talvez nem o próprio se lembre de todas,
quanto mais Goucha. Daí que tenha podido dar-se ao desplante de se dizer
"a primeira pessoa em Portugal a ser presa dois anos e nove meses por
um texto escrito na internet", coisa que, comentou, "no tempo de Salazar
não aconteceu a ninguém" - referindo-se à condenação, em 2016,
por uma carta escrita em 2014 a partir da prisão, na qual afiançava a
uma mulher, que acusava de o ter "tramado", que se não lhe pagasse 30
mil euros iria ser morta "à frente dos teus filhos", e "encomendava"
agressões a outras pessoas.
Após tal performance no programa de Goucha, Machado seguiu para o inominável
SOS24
, onde debitou a sua cartilha racista e odienta, falando de
"africanos", "portugueses brancos" e "da nossa cultura" (para quem
precise de um desenho: portugueses são brancos, os não brancos não são
portugueses) e afirmando que "hoje em dia o racismo vem sobretudo dos
negros contra os próprios brancos, (...) desses grupos de marginais que
espalham o terror nas nossas cidades, que perseguem os nossos miúdos nas
escolas, que violam as raparigas sempre que têm uma oportunidade,
porque o fazem movidos por ódio racial". Também aí, ninguém lhe pediu que apresentasse provas do que disse, ninguém o contraditou com o mínimo de eficácia.
Não sei se Machado e a TVI violaram alguma lei; não sei se faz
sentido "resolver" isto com queixas à ERC, alimentando a sua estratégia
de vitimização. Não se trata, para mim, de o impedir de ser o nazi e o
racista repelente que é e de defender essas "ideias" - direito que lhe
reconheço, desde que sem apelar à violência (se bem que ser nazi sem
apelar à violência seja difícil); sequer de querer impedir alguém de o
entrevistar. Trata-se de tornar claro o que a TVI fez: branqueou uma
carreira de duas décadas de crime (no programa de Goucha) para a seguir
dar tempo de antena, no SOS24, ao discurso de ódio que enforma
essas duas décadas de crimes. Quis dar "respeitabilidade" e "seriedade" a
um criminoso cúmplice de assassinos permitindo-lhe intoxicar milhões
com as suas mentiras. E tanto que o conseguiu que está tudo, para
variar, a falar de "liberdade de expressão". Parabéns a todos.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
05/01/18
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