23/12/2018

SANDRA MAXIMIANO

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A procrastinação natalícia

A quantidade de gente que anda às compras de Natal faz-nos questionar se o processo de comprar uns presentes para familiares e amigos é assim tão difícil e aborrecido que o adiamos dia após dia, até ao ponto em que adiar mais se torna impossível.

O ato constante de adiar o que se planeia fazer não é necessariamente preguiça, mas chama-se antes procrastinação. Há vários motivos pelos quais se procrastina. Em geral, quando a tarefa não é aliciante ou nos foi imposta existe a tendência a substitui-la por outras atividades mais prazerosas.

Também, quando o retorno da execução de uma tarefa não é imediato, como por exemplo trabalhar num projeto longo, é fácil desviar a atenção e o esforço para atividades de concretização mais imediata que dão a sensação agradável de “missão cumprida”. Mais, procrastina-se quando se tem receio de falhar ou quando se é muito perfeccionista e se quer garantir que não há um mínimo erro. O excesso de confiança e otimismo conduz também à procrastinação, porque se sobrestima a capacidade e habilidade de resolver uma tarefa num determinado espaço de tempo. Por último, há ainda aqueles que consideram que a adrenalina de trabalhar sobre pressão, com prazos curtos, os torna mais produtivos e criativos, arrastando, assim, o começar da tarefa.

Não é difícil perceber que as compras natalícias têm os ingredientes essenciais para serem sistematicamente deixadas para amanhã. Primeiro, andar às compras para aquele familiar que só aparece na consoada ou para o colega de trabalho com o qual não se tem qualquer afinidade é aborrecido e não mais que uma obrigação que a época e a sociedade impõem.

Segundo, fazer compras atempadamente, por exemplo em novembro, como alguns “especialistas” aconselham, implica que o retorno da atividade não seja tão imediato. Ou seja, o prazer que se retira por fazer alguém feliz com a nossa prenda só se realizará passadas várias semanas, o que faz com que se adie as compras e se escolha outra atividade que proporcione uma satisfação mais imediata, como por exemplo, ir ao cinema. Mais, por muito que se retire alguma satisfação e bem-estar por se pensar antecipadamente na felicidade que a prenda pode causar em quem a recebe, esta utilidade antecipada, como os economistas (comportamentais) a apelidam, é menor quanto mais longínquo está o resultado final, ou seja quanto mais longe do Natal se está. Ainda sobre a utilidade antecipada, existe também o efeito negativo de se projetar o quão desagradável é andar em lojas cheias de gente. Este “sofrer por antecipação” contribui para que se deixe para outra altura as compras natalícias, mesmo tendo consciência que noutra altura será ainda pior.

Ser perfeccionista e procurar o presente ideal para cada amigo e familiar não ajuda muito a evitar a procrastinação. Aliás, é uma tarefa quase impossível que pode mesmo ser paralisante. Dar voltas e voltas num centro comercial, entrar em lojas após lojas e sair de mãos vazias é um sinal que se está a pensar demais. O problema é que quando isto acontece existe frustração e a forma de a evitar é evitar andar às compras. Esta estratégia de negação funciona até ao ponto em que não há mais tempo para adiar. No limite os presentes são comprados à pressa e longe de serem os ideais.

Por último, ser demasiadamente otimista e achar que não se precisa de muito tempo para comprar presentes, ou que ir no dia 24 de manhã às compras é ótimo porque não se encontra ninguém, acaba por dar maus resultados. E como existem uns bons milhares a pensar desta forma, as lojas continuam cheias até ao último minuto.

A procrastinação natalícia é “um vírus” muito comum, mas há também aqueles que deixam as compras para a última semana por motivos mais racionais. Por exemplo, pode acontecer que se antecipem saldos nesta semana ou que se pretenda retirar vantagem da entrega gratuita que é oferecida nesta altura em compras online. Aliás, as compras online são uma boa estratégia para quem procrastina. Nos Estados Unidos, a Amazon, por exemplo, retira proveito dos enviesamentos comportamentais nesta altura natalícia, incentivando até a procrastinação, através de entregas gratuitas em poucas horas.

Como nota final fica o facto de que os homens procrastinam ligeiramente mais do que as mulheres no que respeita às compras natalícias. Um inquérito, em 2016, da National Retail Federation, a cerca de 6900 adultos norte-americanos, mostrou que no início de dezembro, 17% dos homens e 13% das mulheres não tinham ainda feito qualquer compra de Natal. Na terceira semana de dezembro, cerca de 42% dos homens e 48% das mulheres disse já ter feito metade das compras. Estas diferenças têm sido reportadas em inquéritos anteriores e são explicadas pelo o facto dos homens terem, em geral, excesso de confiança, mas também comprarem menos presentes.

Se realmente insiste em celebrar o Natal com a troca tradicional de presentes, não deixe para amanhã o que pode faz hoje. E fazer as compras hoje, por muito mau que seja, é melhor do que fazê-las amanhã.

IN "EXPRESSO"
21/12/18

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