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IN "O JORNAL ECONÓMICO"
21/12/18
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China, essa desconhecida
Portugal poderá sempre beneficiar de um passado comum e até recuperar algum conhecimento da China que decerto lhe seria útil para as suas relações presentes e futuras com este país.
Assinalou-se esta semana a passagem dos
40 anos sobre o processo denominado Reforma e Abertura, começado em
1978, sob a orientação de Deng Xiaoping. Este novo caminho traria a
China para o seio das nações mais industrializadas e das economias mais
internacionalizadas do mundo. Apesar dos custos que este percurso teve,
nomeadamente, o mais conhecido a nível do impacto ambiental, a verdade é
que tirou milhões de pessoas da pobreza com uma rapidez até agora
desconhecida.
Atualmente e percebendo as suas debilidades em
termos ecológicos, a República Popular da China tornou-se num parceiro
dos acordos internacionais que deveriam travar a mudança climática.
Iniciou um enorme processo de limpeza ambiental que inclui o
investimento nas energias renováveis e a despoluição dos rios e dos
terrenos aráveis. De um país bem-sucedido na atração de capitais
tornou-se num importante investidor internacional. Antes fechada ao
mundo, a China transformou-se num país que participa no sistema
internacional de relações internacionais não só como um par, mas como
uma liderança discreta em muitos aspetos. Atua tanto ao nível bilateral
como multilateral e, se bem que mais participativo, também é um Estado
mais exposto às conjunturas internacionais, o que é percetível no
crescimento da sua dívida externa ou nas guerras comerciais em que está
envolvido.
Mas o que conhecem os portugueses desta nova China que
aposta na tecnologia e criou um polo de desenvolvimento que só tem
precedentes e comparação com as experiências levadas a cabo nos Estados
Unidos da América? Muito pouco. A China, em geral, na receção dos
portugueses oscila entre a ideia da loja de preços baixos que vende de
tudo e o ideário do encontro de há 500 anos, durante o período de
Expansão Portuguesa, desconhecendo que a China conhecera um processo
homólogo umas décadas antes.
A recente visita do Presidente Xi
Jinping, não podendo passar despercebida, ficou muitas vezes aquém da
sua importância em termos estratégicos para Portugal e certos aspetos
simbólicos relevantes tornaram-se apenas mais um ponto na agenda. A
deposição de flores no túmulo de Camões não é apenas um reconhecimento
da língua portuguesa, é um reconhecimento da história portuguesa que nem
sempre foi um ponto de concórdia entre os dois países, ao contrário do
que usualmente aqui se pensa. Aliás, as relações entre Portugal e a
China sempre foram complexas e fruto de equilíbrios frágeis, habilmente
negociados.
Passados comuns, presentes desafiadores
De
facto e depois de um período, que podemos considerar áureo, de produção
de informação e conhecimento sobre o Oriente e maioritariamente sobre a
China, o desinteresse de Portugal por estas paragens foi crescendo com o
tempo. Se durante um par de séculos os religiosos jesuítas alimentaram
esse caudal, após a sua diminuição de importância até à expulsão
enquanto ordem religiosa, muito do fluxo e circulação de conhecimento
foi interrompido entre estas paragens e o Portugal sede do Império. Por
essa razão, não existe uma escola de sinologia portuguesa em nenhuma
área de conhecimento científico, apesar de existirem sempre pessoas que
individualmente e por gosto pessoal foram estudando a China.
O
conhecimento da China em língua portuguesa foi ficando centrado em Macau
e mesmo assim é tardio, sendo que, por exemplo, as primeiras reflexões
sobre a história de Macau são publicadas em inglês, em Boston, já no
século XIX, sendo da autoria de um sueco ligado à marinha mercante.
Contudo, certas áreas do conhecimento precisaram de ser cultivadas, como
a da tradução e interpretação de textos, o que levou a que também no
século XIX, em março de 1886, fosse criada a Secção do Expediente Sínico
em Macau, autonomizando-se da Procuradoria dos Negócios Sínicos. Para
se chegar a intérprete de primeira classe ter-se-ia de saber o mandarim,
o cantonês, falados e escritos, e também o francês e o inglês para além
do português.
O papel desta secção foi importante não apenas para
propósitos práticos de tradução e interpretação, mas também porque
proporcionou o estudo mais profundo da cultura e sociedade chinesas,
sendo talvez a única instituição que fez escola num Portugal de costas
voltadas para a China. Os intérpretes desta secção foram, em geral,
intelectuais de renome, envolvidos em ideais políticos e culturais e com
profunda relação à China, apesar de cidadãos portugueses, e com parca
ligação a Portugal, pelo menos em termos de influência das políticas
relativas à China. Também foi esta instituição que forneceu importantes
tradutores para franceses e ingleses, tanto para negócios levados a cabo
em Macau, como para assuntos administrativos e jurídicos nas suas
colónias.
A ideia de uma interação permanente entre Portugal e
China é um equívoco. A única relação contínua entre os dois países foi
através dos cidadãos portugueses e chineses de Macau e Cantão, que
mantiveram esse diálogo vivo. Não foram Lisboa e Pequim que construíram
um passado comum, aliás edificaram através de tratados uma parte desse
passado. Foram os indivíduos interagindo localmente que mantiveram esse
passado.
Assim, olhando desde Lisboa e desde Pequim, o passado
ainda está por construir, ou seja, ainda há que criar uma memória
coletiva sobre este encontro e o presente apresenta-se desafiante,
porque cada um dos países e de acordo com a sua dimensão tenta
posicionar-se interna e externamente. A construção de um caminho em
comum depende da vontade das partes, mas também dos enquadramentos
regionais de cada país. A participação de Portugal no grande projeto da
Nova Rota da Seda “Uma Faixa, uma Rota” significa que estamos perante um
cenário de aproximação positiva. Quando o presidente Xi Jinping diz que
nunca as relações entre os dois países foram tão fortes e amistosas,
tem a sua razão. Apenas o desconhecimento de certos episódios do caminho
comum entre Portugal e China poderá fazer pensar o contrário.
Um diálogo entre países
Portugal
e China, sobretudo através de Macau, mantêm relações desde tempos
longínquos. Mas terão estas relações sido sempre amistosas, como se
pretende fazer crer? Na verdade, nem sempre tal aconteceu, apesar de
lutas comuns e conversas permanentes entre o lado português e o lado
chinês.
Depois da tensão para a ocupação do espaço que se veio a tornar
Macau, outras tensões vieram que resultaram em negociações permanentes
para que o statu quo do assentamento português fosse mantido e
para que todos continuassem a negociar, ganhando ambas as partes
envolvidas. Em momentos controversos, houve alianças e escolhas
difíceis. O liberalismo chegava tarde, mas era empurrado pelas elites
locais, algumas vezes com o suporte das elites chinesas. Os republicanos
portugueses e chineses lutavam pelo fim da monarquia e do império,
respetivamente, e em Macau encontraram um espaço onde se aliar e na
imprensa periódica um refúgio para o seu discurso subversivo.
Mas
se as alianças se sucedem entre indivíduos de dois países acossados
internacionalmente, após o derrube dos regimes contra os quais lutaram
em conjunto, eis que chega um momento de confronto exatamente quando
ambos conseguem instaurar regimes republicanos. Os anos de 1910 e de
1911 moldam uma viragem nas relações tensas entre Portugal e a China,
porque estas duas repúblicas se fundam na recuperação do orgulho
nacional. Se para Portugal, o orgulho de recuperava através de uma
presença cada vez mais forte ao nível colonial, demonstrando a
capacidade nacional para colonizar e “civilizar”, na China, o orgulho
reconquistava-se pela expulsão das soberanias estrangeiras em território
chinês.
Macau torna-se um incómodo e, com os dois países a
tentarem implementar estratégias de progresso, o que acontece é um
desentendimento profundo relativamente à soberania de Macau e das águas
que o circundam. E, se durante o período destas primeiras repúblicas, as
relações são tensas, são ainda mais tensas com as mudanças de regime,
primeiro em Portugal, com a Ditadura Militar e Estado Novo, e depois com
a proclamação da República Popular na China e sua cisão com a Formosa.
Esta situação significa a interrupção das relações diplomáticas entre
Portugal e a China, apenas recuperadas após a Revolução de 1974 em
Portugal.
Assim, talvez a melhor forma de caraterizar as relações
entre os dois países seja uma amizade longa, mas nem sempre clara e
próxima, em que de facto Macau teve um papel determinante nos encontros e
desencontros entre estes dois países. Mas aqui levanta-se uma outra
questão: não conhecendo a China, terão os portugueses conhecimento de
Macau?
Macau é provavelmente a chave para Portugal e China terem a
certeza que mantêm o seu relacionamento, mesmo em momentos de tensão
que, decerto, surgirão, na construção destes novos projetos comuns. Mas
Macau continua a ser um local de convergência, nomeadamente usado como
apoio à estratégia chinesa para os países de língua portuguesa e para os
países latino-americanos.
Nesse sentido, Portugal poderá sempre
beneficiar de um passado comum e até recuperar algum conhecimento da
China que decerto lhe seria útil para as suas relações presentes e
futuras com este país. Porque o desconhecimento potencia os
mal-entendidos e nada melhor que recuperar a tradição dos intelectuais
sinólogos para perceber um pouco desta evolução da China. O conhecimento
existe, falta dar-lhe uma aplicação pragmática, fazendo agora o que a
China tem vindo a fazer: estudar os seus parceiros para melhor poder
interagir com eles.
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
21/12/18
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