16/11/2018

SÓNIA TAVARES

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E se, de repente, 
um desconhecido lhe oferecer 
flores, isso é… Impulse.

E se, de repente, um “desconhecido” (que neste caso até é famoso) entrar num bar e em três dias a transformar numa estrela internacional, isso é… Imp-ossível.

Pelo menos por cá, deste lado do Oceano. Sim, falo do filme ” A Star is Born” com Lady Gaga e Bradley Cooper.

Estamos tão longe do “sonho Americano” como eu de ter um programa de culinária.
Mas, isso não interessa nada, porque na verdade, é só um filme. Por sinal, muitíssimo bem filmado, com um elenco fantástico e as magníficas interpretações de Gaga e Cooper (Ave Gaga!)

A historieta é que nunca me convenceu.
Bem sei, é um remake de uma linda e trágica história de amor e dedicação, em que o herói faz tudo pela sua amada, ela por ele, etc, etc…

Eu não vi a coisa por esse prisma. Para mim, muito mais que uma história de amor, é, sem querer ser, um update da narrativa machista doutros tempos: uma Super Estrela Americana, em estado avançado de decadência, manipula a vida da sua amada -uma artista em ascensão – até à morte. Literalmente.

De uma forma abreviada, ele abre-lhe o caminho para a fama e reconhecimento e isso dá-lhe, automaticamente, direito de fazer a vida da mulher num inferno, consoante os altos e baixos da sua condição de adicto e de uma pessoa com “mental issues”.

Ou seja, estamos de volta a 1954, ou porque não mesmo, a 1937. Sim, porque a Barbara Streisand, sendo uma das directors da versão de 1974, não deixou que “A Estrela” lhe fizesse rigorosamente sombra nenhuma, até porque o filme é sobre uma estrela que nasce e não sobre uma que morre.

Ela até conseguiu pôr o protagonista a bater as botas casualmente, num acidente de viação, porque não havia necessidade nenhuma de montar toda aquela tragédia franciscana no final.

O que me leva a concluir que, tal como em 1937, a versão de 2018 volta a dizer que, só nasce uma estrela porque #ELE DECIDE desaparecer do mapa, pintando-se tudo como um acto de amor eterno e altruísta.
Isto deu-me que pensar. Estaremos afinal a fazer progressos no factor “this is a man’s world”, ou nem tanto?

A Barbara arrisca, em 1974, encaminhar o filme para outro lado (também só deu ela mesmo, que exagero) e em 2018 voltamos atrás? Tudo bem, não faz mal, a história é o que é.
O Bradley, é por certo um rapaz moderno e muito provavelmente, quando estava a dirigir o filme, nem chegou perto desta viagem na maionese que eu estou para aqui a fazer. Mas, podia muito bem ter inventado um filho bastardo na cochinchina, por exemplo.

Que o Sr. tivesse graves perturbações, que precisasse urgentemente de ajuda, que sofresse de uma depressão irreversível, pelos mais variados motivos, que fosse um caso de risco, sendo importante a consciencialização sobre o tema que o filme aborda, são argumentos mais do que válidos. Ser ela o trigger justificativo de todo aquele cenário final, mórbido e recalcado, até um pouco em tom de boicote à sanidade mental da rapariga, não, por favor. Que fosse mar adentro, como nos dois primeiros filmes.

Na verdade, it was all about Him. A star has died.

Se a Gaga ganhar um Oscar, será sobretudo por ter interpretado exactamente aquilo que ela não é e que não foi, em momento nenhum da sua carreira. Já, boicotada por puro machismo, muitas vezes.
No mundo da música, em 2018, entre artistas e pessoas inteligentes, os homens ainda boicotam as mulheres. Claro que também acontece o contrário, mas não é tão flagrante. O mundo da música em 2018 ainda é um man’s world.

Há meia dúzia de dias, contava-me uma amiga, também ela do meio musical, que, por ser um milhão de vezes mais inteligente que o seu superior ressabiado, perdeu o emprego. Ainda bem que, os que a mim me rodeiam, são tudo bons rapazes. Nesse aspecto, tenho sorte, conheço muitas outras que, infelizmente, não.

Isto tudo, para dizer que, embora não pareça, gostei muito do filme. Existe também, a possibilidade de ter tomado muito café nesse dia e o facto de ter estado constantemente durante o filme a pensar que ainda tinha que conduzir outros 100km de volta, me tenham deixado mais agressiva e impaciente e, provavelmente, turvado o meu discernimento.

De qualquer forma, não há problema algum, até porque ninguém me perguntou nada, mas já que tiveram a bondade de me dar tempo de antena, aproveitei-o para resmungar. E agora, vocês não vão poder DESler isto.

IN "DELAS"
NOVEMBRO/2018


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