01/10/2018

EKER SOMMER

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Se...

É aqui, neste mar de possíveis onde navegamos, que se instaura o maior drama do ser: a escolha

Isto de escrever de mês a mês tem os seus contratempos. Muitos, por sinal, se se atentar ao facto de que muitas vezes, na hora de opinar, se chega sempre tarde aos acontecimentos. Ou porque, simplesmente, já aconteceram há algum tempo ou porque, pior ainda, já foram tão glosados que pouco ou nada de interessante se lhes pode acrescentar. Tudo o que se possa dizer é como que um chover no molhado que assusta qualquer cronista e, sobretudo, lhe rouba, à partida, o rasgo de genialidade que, sejamos sinceros, se procura com afã nestas questões de pensamento e de escrita.

Se calhar por isso, por essa necessidade de recriar o lugar comum em busca do que ainda não foi dito num mundo que esgota as palavras até à exaustão, dei por mim a revisitar setembro na ânsia de nele encontrar assunto para esta minha prosa. Não que tenha andado desatenta em tempo real, mas porque há sempre algo que, no meio do sensacionalismo mediático, nos surpreende e obriga a um olhar mais vagaroso e necessariamente mais consciente e humanista sobre os factos. São eles, os factos, que nos apanham desprevenidos e nos impõem novas perspetivas, fazendo-nos pensar e perceber que tudo é frágil e incerto numa existência grávida de possibilidades. E é aqui, neste mar de possíveis onde navegamos, que se instaura o maior drama do ser: a escolha. O homem é, de facto, apenas possibilidade. Cria-se a si mesmo e fá-lo escolhendo-se e escolhendo os seus possíveis. Elegemos ser o que somos e definimo-nos como pessoas através do que elegemos. Nisso radica a nossa liberdade e o que fazemos dela. Se um dia Amélia Fialho, a professora do Montijo assassinada há três semanas, não tivesse escolhido ser mãe, provavelmente estaria neste preciso momento a preparar as suas aulas de Físico-Química; se Diana Fialho, a suposta mentora do crime, não tivesse escolhido o acesso fácil e imediato à herança da progenitora, poderia se calhar estar agora a programar descontraidamente o passeio de domingo; se Iuri Mata, cúmplice confesso do homicídio, não tivesse escolhido Diana Fialho como companheira, talvez estivesse hoje a tratar da contabilidade de uma qualquer empresa sem mais preocupações; se Rosa Grilo e António Joaquim, por sua vez, tivessem escolhido assumir a sua relação amorosa e as consequências daí decorrentes sem qualquer tipo de ganância, possivelmente não seriam hoje notícia e Luis Grilo, o triatleta assassinado, seria só mais um divorciado entre os muitos que por aí andam.

É nesta cadeia infindável de ses que a vida se constrói e desafia o homem, comprometendo-o consigo próprio e com os outros através da exigência permanente de uma integridade inata que não se compadece com as contingências que nos tornam tão diferentes uns dos outros. Pouco importa se se nasceu em berço de ouro ou num bairro social, se a formação é básica ou superior ou até se se é crente, agnóstico ou ateu. Somos seres em permanente construção, inacabados na nossa essência e, por isso mesmo, suscetíveis de a qualquer momento fazer a escolha que nos reinventará para o bem ou para o mal numa espécie de reset sem retorno.

Surpreende-me, por isso, a ousadia altiva de quem julga estar imune à escolha errada, predispondo-se sempre, e sem hesitar, a apontar o dedo ao outro. Esquece-se, certamente, que a qualquer momento as suas próprias escolhas ou as dos que ama o podem conduzir aos píncaros da felicidade ou ao mais profundo dos infernos. Compreendê-lo não significa desculpabilizar e muito menos desresponsabilizar a opção errada, mas antes reconhecer que, num mundo pleno de dificuldades e injustiças como aquele em que nos movemos, a escolha certa implica uma grandeza que muitas vezes não cabe na nossa pequenez de torpes mortais.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
29/09/18

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