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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
15/08/18
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O jornalismo português é burro?
Não sei se o caro leitor ou leitora se apercebeu mas, em São Tomé e
Princípe, antiga colónia portuguesa, há dois ex-ministros suspeitos de
tentarem um golpe de Estado e pessoas presas há poucos dias por, alegadamente, estarem a preparar um atentado.
Não
sei se o caro leitor ou leitora tem conhecimento que o líder da
coligação partidária que detém o Governo em Timor-Leste, Xanana Gusmão,
escreveu uma carta ao Presidente da República, Francisco Guterres
Lu-Olo, onde se diz preocupado com "a saúde mental e política" do Chefe de Estado, que lhe faz oposição política naquela antiga colónia portuguesa.
Não sei se o leitor ou leitora leu a notícia destas declarações do Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi: "Algumas pessoas que foram capturadas e interrogadas dizem que estão a matar outras pessoas devido ao desemprego e à pobreza".
O espanto e a indignação do líder político da antiga colónia portuguesa
decorre dos assassinatos de dezenas de pessoas e da onda de violência
que desde outubro do ano passado assustam as populações de alguns
distritos do norte de Moçambique.
Talvez o leitor ou a leitora
tenha conhecimento que Macau, território chinês que foi administrado por
Portugal, vai ter daqui a dois anos, segundo uma previsão do Fundo
Monetário Internacional, o maior PIB "per capita" do mundo.
Eventualmente o leitor ou a leitora sabe da verdadeira guerra do petróleo e do gás
que está a eclodir entre a Guiné-Bissau e o Senegal: os guineenses, há
20 anos, aceitaram um acordo com os senegaleses de divisão dos lucros da
exploração dessas matérias-primas, que existem em grandes quantidades
nas águas marítimas junto aos dois países. A Guiné-Bissau passou a
receber 15% dos lucros, o Senegal 85%. Os guineenses, em 2014,
denunciaram o acordo por acharem a repartição injusta e, agora, há um
grupo de notáveis que defende que a localização e a origem desses
recursos torna viável a reivindicação de que o petróleo e o gás devem
pertencer em 100% à antiga colónia portuguesa. As autoridades do Senegal
não estão a achar graça...
Em Cabo Verde os efeitos da seca em 2017 e o mau ano agrícola colocam em risco de insegurança alimentar - isto é, à beira da fome - 30 mil pessoas.
A previsão é da FAO - a organização das Nações Unidas para a
alimentação e agricultura - que chegou a temer que 150 mil pessoas não
tivessem acesso suficiente a alimentos. As coisas não serão assim tão
más mas, mesmo assim, um em cada 18 habitantes daquela antiga colónia
portuguesa não irá comer o suficiente. O leitor ou leitora sabia disto?
Mas há pior. Relata a revista Istoé, do Brasil, que seis em cada 10 crianças brasileiras estão na pobreza:
nas zonas rurais têm para viver 60 euros por mês e nas zonas urbanas 78
euros. São dados da Unicef e duvido que o leitor ou a leitora, que se
calhar sabe muito sobre a prisão de Lula da Silva ou, até, sobre as
tropelias do candidato fascistóide à presidência da antiga colónia
portuguesa, Jair Bolsonaro, tenha consciência desta notícia.
E, já agora, sabia que em Angola se discute entre a UNITA e o governo a exumação dos restos mortais de Jonas Savimbi,
o homem que liderou aquele partido na guerra civil, durante 27 anos?
Uma guerra, recordo, iniciada logo a seguir à descolonização portuguesa,
em 1975, e que terminou quando Savimbi foi abatido, em 2002. Estima-se
que morreram 500 mil civis.
Sim, tirando alguma informação sobre
Angola e o Brasil (normalmente noticiário ideologicamente motivado,
setorialmente influenciado ou lusocêntrico, o que não tem mal nenhum,
mas é limitativo para nos dar um retrato sério e completo desses países)
sabemos muito pouco sobre o dia-a-dia social e político dos povos que
gostamos de apelidar de "irmãos".
Eu próprio, se a empresa onde trabalho não me tivesse destacado há um par de meses para ajudar a construir um site de informação
onde estes assuntos são tratados, saberia tão pouco sobre estes temas
como a maioria dos leitores e das leitoras que tiveram a paciência de
chegar aqui na leitura desta coluna.
Qualquer das oito notícias
com que iniciei este texto poderia figurar na capa de um jornal ou fazer
manchete no topo de um site de informação português: são relevantes,
interessantes, dramáticas e curiosas. Não vi nada disso.
Estas
notícias têm mais proximidade aos interesses económicos, históricos e
sociológicos dos portugueses do que qualquer tweet inconsequente de
Donald Trump.
Estas notícias dizem mais ao coração de centenas de
milhares (milhões?) de imigrantes desses países que residem em Portugal,
potenciais leitores de órgãos de comunicação social portugueses, do que
qualquer manifestação contra imigrantes num país do centro da Europa.
Estas
notícias cumprem todas a regras editoriais que o jornalismo determina,
porém, inexplicavelmente, nós, jornalistas, ignoramos ou reduzimos a sua
importância à expressão mínima. Preferimos debater, com paixão
anacrónica, o nome de um museu sobre a formação do império colonial
português.
Durante anos colaborei, alegremente, neste virar de
costas do jornalismo português ao mundo da lusofonia. Agora sou obrigado
a ver como fui tão burro e como é, desculpem, tão burro o jornalismo
português.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
15/08/18
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