18/08/2018

MANUEL JOÃO VIEIRA

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Phil Mendrix
O camaleão extraterrestre do
rock que se elevava no
firmamento a cada golpe na guitarra

O músico, pintor e performer Manuel João Vieira, fundador das bandas Ena Pá 2000 e Irmãos Catita, assina este texto de homenagem ao guitarrista Phil Mendrix, o nome pelo qual Manuel batizou há muitos anos este seu companheiro de palco e de estrada em homenagem a Jimi Hendrix. Um dia após a morte de Mendrix, Manuel recorda o amigo e músico como "o mais formidável guitarrista de rock" que já vira à superfície da Terra e que "vivia no paraíso dos guitarristas, pelo que no fundo lá continua"

Ontem de manhã desapareceu do hospital, em circunstâncias misteriosas, o paciente Filipe Mendes, também apelidado de Phil Mendrix nos circuitos misteriosos em que se movia. Provavelmente foi convidado amavelmente a tocar com a Big Band das nuvens púrpura no longínquo além. 

Conheci o Filipe Mendes aquando este estava a fazer um ensaio de som com os Roxigénio, nos anos 90, altura em que tínhamos o mesmo manager, o Basílio (um homem que fazia coisas como pôr mostarda no teu pudim e outras que não têm cabimento neste epitáfio).

Pensei que era o mais formidável guitarrista de rock que eu já tinha visto à superfície da Terra. De tal maneira era a sua generosidade e devoção que transformava um ensaio de som numa entrada no paraíso de trinta minutos. E sem pagar bilhete.
Quando parti um dedo (em resultado de um acidente na minha Honda 125 GT contra a porta de um sanatório) rendi-me à evidencia de que precisava de um substituto com alguma urgência para as minhas partes de guitarra solo com os ena pá 2000 e Irmãos Catita. Atrevi-me pois a pedinchar ao grande Filipe Mendes a sua participação como 'special guest star'. Respondeu afirmativamente e compreendi a sua incrivel modéstia e entusiasmo infinito pela música.

A partir daí, por volta de 1995, tivemos de nos habituar a consecutivos milagres sobre os palcos onde actuávamos. A sua entrada era precedida de uma apresentação enfática: "O grande... o muito grande... o enorme... o nada pequeno..." Etc. Que era respondida com um incrível solo de abertura, o bizarro e enigmático Phil Mendrix 'Ultra Special Super Freacko Whirdo Guitar Solo' (publicado no disco “Very Sentimental”, de 1996). Foram mais de vinte e cinco anos de estrada e cabaret em que o incrível Mendes se adaptava a cada nova ou velha linguagem musical como um camaleão extraterrestre, pondo sempre nela uma alma que parecia elevar-se no firmamento a cada golpe de palheta.

O Filipe Mendes, ao qual pusemos o cognome de Phil Mendrix, plenamente justificado pelo seu virtuosismo e talento, mas também pelo seu humor e boa disposição, quase bem-aventurança, era um homem de uma infindável generosidade, um cavalheiro de uma esmerada educação, um companheiro que seguia connosco no palco até ao raiar do dia, que pronunciava palavras, ao ouvir uma música nova, como “fantástico” “Chique” e que quando estava mesmo zangado, extraordinariamente, pronunciava palavras como“que chatice” ou “irra”.

Em geral, vivia no paraíso dos guitarristas, pelo que no fundo lá continua. Nós é que somos obrigados a viver o resto das nossas vidas pobremente, sem a sua riquíssima companhia. Todas estas palavras não servem para que ele volte e, portanto, todo este texto é perfeitamente escusado.

O Filipe era um grande artista português e não foi tratado como tal pelo nosso sistema artístico, que privilegia outro tipo de fenómenos e se esqueceu deste verdadeiro Fenómeno, que o seria em qualquer país do Mundo. A sua guitarra continua a ecoar pelo sistema solar, eternamente a 'solar' ao sol.


IN "EXPRESSO"
14/08/18

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