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IN "OBSERVADOR"
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Só pode ser mentira
A fazer fé no DN o general Rovisco Duarte puniu referências à
memória de Vitor Ribeiro, um dos homens do 25 de Novembro e, não menos
importante, do 26. O dia que podia ter sido trágico para as FA.
O Verão corre entre a linguagem pícara do primeiro-ministro e a
errância com contornos de tragicomédia do Presidente da República.
Confesso que face àquele palavreado do “podem tirar o cavalinho da chuva”
proferido por António Costa a propósito da eventual remodelação da
pasta da Saúde e das suas alusões à gema e à clara de ovo para explicar a
linha política do seu Governo, a par do “Está nas mãos de Deus essa
decisão” de Marcelo sobre uma sua recandidatura presidencial, tinha
pensado virar-me para Espanha. Mais propriamente às consequências para
Portugal (e para Espanha) da estratégia de desgaste da monarquia
espanhola levada a cabo pelos independentistas (e não só): deslegitimar Felipe VI, apresentando-o como o herdeiro do herdeiro de Franco
é o passo seguinte desse cerco. Afinal tal assunto sempre permitia
pensar noutra língua, o que face ao falejar presente dos nossos
governantes sempre é um balsamo para os nossos ouvidos. Ou pelo menos
para os meus.
Mas eis que tropeço neste título do Diário de Notícias: “Evocação
de militar ligado a Jaime Neves irritou chefe do Exército. Comandante
do Regimento de Comandos, coronel Pipa Amorim, manteve referência a
Victor Ribeiro, que morreu horas após receber Marcelo no hospital sem a
presença do chefe do Exército.”
Não quero acreditar que isto
seja verdade. E “isto” é isto a fazer fé na notícia do DN que só pode
ser falsa: o general Rovisco Duarte – sim o Chefe do Estado-Maior do
Exército (CEME) que não consegue explicar o que aconteceu no paiol de
Tancos – impede referências à memória de Victor Ribeiro.
Como é
óbvio não consigo acreditar que isto seja verdade. Espero que exista uma
explicação plausível para o facto de o CEME não ter acompanhado o
Presidente quando este foi condecorar Victor Ribeiro. E desejo
veementemente que alguém sussurre que o afastamento de Pipa Amorim do
lugar de comandante do Regimento de Comandos nada teve a ver com o facto
de Pipa Amorim ter lembrado Victor Ribeiro numa cerimónia que teve
lugar alguns dias após a morte deste militar.
Porque uma coisa é o
general Rovisco Duarte enquanto CEME ter gerido desastrosamente o roubo
das armas em Tancos outra é ficar para a História como o CEME que não
quis que fosse homenageado um dos militares que contribuiu não só para
que a 25 de Novembro de 1975 a democracia vencesse em Portugal mas
também para que as Forças Armadas Portuguesas não tenham de assinalar o
dia 26 de Novembro como uma data trágica.
Para perceber melhor o que Portugal deve a homens como o comando
Vítor Ribeiro temos de recuar a esse dia 25 de Novembro de 1975 e a
essas cinco horas que mediaram entre as quatro e meia da tarde, quando o
então Presidente da República decretou o estado de sítio e deu
autorização para que o Grupo Militar liderado por Eanes avançasse, e as
21 horas, altura em que, na RTP, Duran Clemente e os seus anúncios da
revolução socialista foram substituídos pelo cómico Danny Kay.
Ou
seja nessas cinco horas a esquerda revolucionária foi derrotada numa
operação militar que dependeu em muito dos comandos liderados por Jaime
Neves e que só foi possível porque durante meses homens como o comando
Vítor Ribeiro estabeleceram contactos e montaram aquela operação.
Mas
as razões por que um CEME, seja em que tempo for, deverá sempre
preservar a memória das tropas comando e de quem as liderou em 1975,
aconteceu depois, naqueles perigosos momentos em que já se sabia que
havia um vencedor mas alguns ainda não se davam por derrotados.
Recuemos
mais uma vez a esse dia 25 de Novembro: ainda não era meia noite e o
PCP mandava recuar os seus militantes. Horas depois Melo Antunes, que na
véspera terá reunido com Álvaro Cunhal para obter dele a garantia de
que os comunistas recuariam em troca da não perseguição ao PCP pelos
afectos ao Grupo Militar/Eanes, declara que o Partido Comunista é
indispensável à democracia.
Na rua ficava a extrema-esquerda. O
desespero e a solidão são maus conselheiros. Em Lisboa aos radicais só
restam os quartéis de Cavalaria 7 e da Polícia Militar na Calçada de
Ajuda. Durante a noite, com manifesta falta de prática, tentam cavar
barricadas. Mas o amanhecer traz o inevitável.
Eram 8h da manhã do
dia 26 de Novembro quando Jaime Neves à frente dos comandos (e entre
eles estava Vítor Ribeiro) começa a subir a Calçada da Ajuda.
O
resto, senhor general, sabe o que foi, não sabe? Quando os comandos
esperavam que a Polícia Militar se rendesse foram atacados. Dir-se-á
mais tarde que foram disparos de civis, a quem tinham chegado as tais
armas que Otelo dizia em boas mãos. Mas no quartel da PM muitos
militares vestiam à civil e os civis vestiam à militar!
Dois
comandos, o tenente Coimbra e o furriel Pires, caem mortos. E é então
que Jaime Neves e homens como Vítor Ribeiro mostram porque lhes deve ser
prestada homenagem pois portaram-se como militares e não como uma
milícia de tropa falperra: o portão da Polícia Militar foi forçado com
um chaimite, os comandos treparam pelos muros do quartel e tomaram conta
da situação. Não há tiroteios nem retaliações. Há mais um morto, o
aspirante da PM José Bagagem, morto por estilhaços de granada. Jaime
Neves, o tal de que Vítor Ribeiro cometeu o pecado de ser próximo,
controla os seus homens. Não é preciso ser general nem sequer ter ido à
tropa para perceber que se os comandos tivessem disparado e morto meia
dúzia de militares da PM naquele dia 26 de Novembro ninguém lhes ia
pedir responsabilidades, pois não?
Mas não foi isso que aconteceu e ainda não tinha chegado ao fim o dia 26
de Novembro e já os soldados da PM deixam o quartel e vão para casa. De
licença. Mais estranho, senhor general, foi o que se encontrou dentro
do quartel da PM: civis detidos, alguns deles menores de 16 anos, ali
mantidos sem qualquer mandato, espancados, humilhados… É melhor ficarmos
por aqui, não é? O texto já vai longo. Não referi nada que o senhor
general desconheça. Espero apenas que a culpa, mais uma vez, seja do
jornalista, que certamente inventou tudo aquilo, pois não é possível que
um CEME persiga alguém que, como Vítor Ribeiro, tanto contribuiu para o
prestígio das Forças Armadas. E para a liberdade em Portugal.
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