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Só mais uma coisa
Assalto em Tancos
Chega de brincar aos
soldadinhos de chumbo
Rovisco Duarte teve a desfaçatez, o descaramento, o topete de ir
dizer aos deputados esta terça-feira — sem se rir — que ainda não houve
peritagem às armas encontradas em Outubro do ano passado.
No meio de tanta justificação estapafúrdia dada por Ricardo Robles
para um negócio que todos invejamos e que desmascarou a superioridade
moral e moralista do Bloco, quase escapou um outro caso da semana. Não
quero retirar qualquer peso político ao escândalo bloquista, de que o
partido demorará, se o conseguir fazer, a recuperar depois de todos os
disparates cometidos. Mas tenho de considerar mais grave, bem mais
grave, as explicações que continuam por dar no caso de Tancos mais de um
ano depois do assalto nos paióis. Mais: aquilo que Rovisco Duarte disse
esta terça-feira no Parlamento é inqualificável e inadmissível.
Vamos
lá ver. Foi a terceira vez que o Chefe do Estado Maior do Exército foi
ouvido a propósito do maior roubo de armamento militar na Democracia. Só
para quem não tenha boa memória, começo por recapitular esta novela
mexicana barata. O crime aconteceu em junho do ano passado. O material
foi encontrado/devolvido/descoberto (risque as palavras que não gostar)
miraculosamente não muito longe, na Chamusca, quatro meses depois, em
outubro. Nessa altura, o próprio Rovisco Duarte veio afirmar que havia uma caixa de material a mais. A mais! E especificou o conteúdo: tinha petardos, coisa pela qual o exército nunca tinha dado falta.
Durante
todo este tempo, Marcelo Rebelo de Sousa que — lembre-se a quem por
acaso não saiba, ou ande a fazer que não sabe — é o Comandante Supremo
das Forças Armadas, nunca deixou de pressionar e pressionar e exigir e
exigir (as repetições são propositadas) explicações sobre o caso. Foi
aliás o primeiro a ir a Tancos, ofuscando ministro e primeiro-ministro.
Não parou de falar no assunto. Fazendo uma simples busca no Google pelas
palavras “Tancos” e “Marcelo”, encontram-se 243 mil entradas, o que
significa a importância que o Presidente tem dado ao caso.
Nada
disto no entanto parece importar ao todo poderoso Rovisco Duarte ou a
Azeredo Lopes, que se comportam como não tendo de dar explicações a
ninguém. O CEME já afastou o comandante dos Comandos, que estava há menos de um ano no cargo, só porque as relações entre ambos não eram as melhores, e nem ai nem ui de um ou de outro.
E reintegrou todos os suspeitos que afastara aquando do roubo do
Tancos, mesmo sem a investigação estar fechada e não se conhecendo
nenhum culpado, nem nenhum responsável, e também não se lhes ouviu uma
palavra. É cumplicidade a mais e satisfações a menos.
Feito o sumário, vamos a mais um capítulo (que duvido que seja o último). Há duas semanas, o Expresso
lançou mais uma bomba no caso. Literalmente. Quer dizer, não se sabe se
se trata de uma bomba ou qual o tipo de arma. Mas sabe-se que afinal
continua a haver armamento perigoso militar por reaver. Que ainda andam
armas roubadas do exército por aí. Que ainda estão por recuperar
granadas e explosivos suficientes para cometer atentados terroristas ou
assaltos violentos e pôr em causa a segurança nacional.
E que o
fez o General? Teve a desfaçatez, o descaramento, o topete de ir dizer
aos deputados esta terça-feira — sem se rir — que ainda não houve
peritagem às armas encontradas em outubro do ano passado. Nove meses!
Portanto, não sabe se o material foi totalmente recuperado. Portanto,
não pode dar a lista ao Parlamento. Além de não ter tido ainda tempo
para a fazer, claro, deu a mesma desculpa que anda a dar o ministro
desde o início: o raio da Justiça que não despacha a investigação. A
cartilha do costume.
Eu sei que as chefias militares se regem por
uma estrutura muita específica e obedecem a regras muito próprias. Mas
também sei que a Defesa custa 2,1 mil milhões de euros no Orçamento do
Estado deste ano (mais 8,3% ao efectivamente gasto em 2017), o que
representa 2,4% da despesa total. Por isso, tem que dar contas à cadeia
de comando, para usar uma linguagem de quartel. E nessa cadeia de
comando, por muito que possa custar ao general Rovisco Duarte, estão os
contribuintes que lhes pagam, os deputados que esses contribuintes
elegem, o ministro que devia salvaguardar os interesses da segurança do
País e dos portugueses e o Presidente, seu Comandante Supremo.
Mas
não. O que se passa há mais de um ano, num País que tem militares em
várias missões perigosas da NATO, é uma anedota. Se o ministro não sabe,
é porque não lhe contam ou não quer saber. Tire consequências disso,
demitindo ou demitindo-se. E está na hora de Marcelo intervir. Uma coisa
é esperar pela investigação judicial. Outra é tolerar incompetência
disfarçada de arrogância. Mas chega de brincar aos soldadinhos de
chumbo.
Só mais uma coisa
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Nesta história de Ricardo Robles, confesso que a minha maior inveja é
não ter descoberto antes estas pechinchas da Segurança Social. A minha
maior estranheza é nunca perceber porque é que o dinheiro de uns estica e
o meu não, porque mesmo que tivesse tido conhecimento destes negócios
dificilmente lá chegaria. A minha maior preocupação é porque é que uma
instituição que devia zelar para que eu ainda pudesse vir a ter uns
trocos de reforma, ande a vender ao desbarato bens com os quais podia
conseguir mais valor. E, por fim, constatar que há uma linha condutora
na esquerda entre a compra de boas casas e a desculpa da família:
Varoufakis disse que era da mulher aquele apartamento com varanda e
vista para a Acrópole; Iglesias trocou o apartamento pobrezinho de
Madrid onde gostava de ser fotografado por um chalet luxuoso por causa
dos filhos gémeos que estavam por nascer; Costa comprou uma casa a uns
idosos porque a filha queria viver ao pé do irmão e depois mudou de
ideias; e agora era a irmã de Robles que vinha viver para Lisboa, mas
acabou também por decidir ficar em Paris. Coincidências. Ou cabalas,
como diria Catarina Martins.
IN "OBSERVADOR"
02/08/18
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