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IN "VISÃO"
12/07/18
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O diabo
sai da garrafa no outono
Depois de se vender a ideia de paraíso, como é que agora se vai explicar que afinal as nuvens nunca se foram embora e que a folga orçamental teve muito de acaso conjuntural?
Gozem bem as férias que em setembro vem aí o diabo”, terá dito por
esta altura, há dois anos, Pedro Passos Coelho. Aproveitando a deixa
magnífica, António Costa apressou-se logo em afirmar, de sorriso na
cara, que “felizmente o diabo já lá vai”, confiante no virar definitivo
da página da austeridade, ou disso fazendo--nos crer. Durante dois anos,
fez bem o papel de declarar que o papão estava bem longe e que o bicho
mau não nos ia comer. Estávamos a salvo de entidades que nos levariam
para dificuldades e bancarrota. Tão bem feito foi o papel, que quase
todos se convenceram por cá de que a coisa não dava apenas para safar
durante uns tempos, mas sim que isto ia, afinal, extraordinariamente bem
– um mar de rosas económico e orçamental, com milhões de turistas e
muito investimento, onde nos iríamos banhar alegre e eternamente. Depois
de anos de desesperança, foi fácil desejar e acreditar num cenário
paradisíaco.
O cenário idílico manteve-se até agora,
quando António Costa e Mário Centeno começaram finalmente a emendar a
mão ao discurso vitorioso. Isto vai bem mas não dá para regabofes,
tenham lá calma que o diabo já lá vai mas pode voltar se começarmos a
fazer disparates, alertam agora. “Não temos dinheiro!”, disse alto e bom
som o primeiro-ministro a quem quiser ouvir, cara apontada à sua
esquerda. Não que tenha sido acometido por um assomo de lucidez
economicista ditada por uma nova realidade que entretanto descobriu, mas
antes porque se iniciam as dores de cabeça da preparação do Orçamento
do Estado para o próximo ano, e o discurso dos parceiros de geringonça
começou, com seria de esperar, a mudar drasticamente de tom. Se isto vai
bem, vamos lá então fazer com que vá bem para todos: as folgas
orçamentais são para gastar e os problemas para resolver, exigem.
“Não há dinheiro para a saúde, para a escola pública, para as
infraestruturas, para a defesa dos serviços públicos. Não há dinheiro ou
estão a ir buscar onde não devem?”, perguntou há dias Jerónimo de
Sousa, exigindo que o PS seja capaz de sacudir “essa política de
direita”. O Bloco de Esquerda também engrossou a voz, dizendo que antes
do Orçamento em outubro há a discussão do pacote laboral em setembro, e
aí não aceitarão nada menos do que “parar com o empobrecimento, e repor
salários e pensões”. Começou o jogo político de esticar a corda até ao
limite (há quem lhe chame ultimatum), mas outra coisa não seria
admissível aos dois partidos sem que o seu eleitorado não lhes viesse
cobrar isso adiante em eleições.
Depois
de se vender a ideia de paraíso, como é que agora se vai explicar que
afinal as nuvens nunca se foram embora e que a folga orçamental teve
muito de acaso conjuntural? É que grande parte destes bons resultados –
um défice de 0,9% do PIB, um desemprego em mínimos desde 2008 e
previsões de chegada a 2020 com excedentes orçamentais estruturais
–
foi conseguida por influência do ciclo económico benevolente, mais do
que pelos cortes que o Governo fez ou pelo que deixou de gastar. Mas
promover isso seria desvirtuar méritos próprios e o discurso do “milagre
económico” foi empolado, dentro e fora, como se não houvesse amanhã e a
dívida pública não continuasse a tocar máximos históricos
– 250,3 mil
milhões de euros.
Faz-me lembrar a velha lenda brasileira do
Familiá, o diabinho familiar que vive dentro de uma garrafa e atende ao
dono com riquezas quando este abre a garrafa e lhe pede desejos. Lá pelo
outono – quando apertarem as negociações, para convencer agora a
opinião pública e a esquerda de que o dinheiro não dá para tudo –, vai
mesmo ser preciso tirar o diabo da garrafa. E, já agora, pedir-lhe um
desejo bem chorudo.
IN "VISÃO"
12/07/18
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