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IN "SÁBADO"
27/07718
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A falta que a Internet faz
"A meio da conversa, e ainda que a partir de diferentes latitudes, atropelámo-nos para dizer o mesmo: aqueles três dias estavam a saber a seis. "É que quase não tenho wi-fi", ouvi. "Eu praticamente não tenho rede", respondi."
A casa tinha um quintal do tipo "eu desisto", uma sala com tecto de
telhas mais velhas do que o sol e dois quartos com cara de casulo.
Quando as seis da tarde de domingo chegaram a casa à boleia de um
passeio pela costa, o galo (também havia um galo) cantou: era hora da
sesta. Com as tradições alentejanas debaixo de olho, decidi que ia
dormir até entediar o corpo. Entediado, ele então haveria de cutucar o
estômago para o jantar. Recolhi.
Já
tricotava lã de mil carneiros quando o telemóvel tocou. Tocou alto,
tocou forte, tocou escondido mas tocou certo - eram notícias de longe.
Enquanto fazia o caminho entre a cama e o sofá onde o diabo tinha ficado
esquecido, pensei que já mal me lembrava daquele toque. Naqueles dias, o
que eu mais tinha exigido do meu telemóvel tinha sido que tirasse boas
fotografias. Cumprindo, ele tornara-se invisível.
Lancei-me para o
apanhar antes que se calasse, escolhendo ignorar que todas as chamadas
podem ser devolvidas. Atendi a tempo (e com isso nada ganhei, se
descontarmos a vitória num desafio auto-imposto). Do lado de lá, as
notícias vinham como vêm quando são boas, aos pulos, e a conversa
despertou-me. Eram histórias de dias fáceis e de noites sem fim nem frio
nem futuro. Eram histórias de um refém da felicidade a viver o síndrome
de Estocolmo com tudo aquilo a que tinha direito.
A
meio da conversa, e ainda que a partir de diferentes latitudes,
atropelámo-nos para dizer o mesmo: aqueles três dias estavam a saber a
seis. "É que quase não tenho wi-fi", ouvi. "Eu praticamente não tenho
rede", respondi. Então concordámos em concordar: estávamos a precisar de
desligar. Em paz, desligámos.
Quando nos voltarmos a ver - no
meio da guerra, na nossa relação Bluetooth -, já teremos toda a rede do
mundo. Claro, o tempo passará a correr - que fazer? Para brindarmos ao
tempo em que três dias eram seis, vou mostrar-lhe este texto. Para isso
só tenho de descobrir se este hotel em que me encontro agora - sem
quintal, telhas, casulos ou galos - ao menos tem wi-fi.
IN "SÁBADO"
27/07718
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