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IN "EXPRESSO"
26/07/18
Alesina, um pai envergonhado
Quando
o filho se revela um criminoso psicopata, é natural que os pais possam
sentir vergonha. Talvez queiram fazer os possíveis por não chamar a
atenção para o parentesco, o que é compreensível. O que já é pouco
respeitável é que procurem negar a paternidade contra toda a evidência.
Tudo isto a propósito da entrevista
concedida aqui no Expresso por Alberto Alesina, economista e professor
na Universidade de Harvard, a Jorge Nascimento Rodrigues. O título
revela a relação difícil de Alesina com a paternidade intelectual da
austeridade expansionista: “É ridículo chamarem-me o pai da
austeridade”. Mas a afirmação nada tem de ridículo, não só porque o
papel central de Alesina na legitimação intelectual da viragem
austeritária no auge da crise do Euro está amplamente documentada, como
porque os efeitos económicos e sociais dessa política destrutiva dão
pouca vontade de rir.
A intervenção de Alesina passou
efectivamente pela produção de artigos cientificos, como o próprio
assinala nesta entrevista. Dois deles (“Tales of Fiscal Adjustment”, de
1998, e “Large Changes in Fiscal Policy: Taxes Versus Spending”, de
2009) tornaram-se referências centrais para a argumentação em favor dos
efeitos expansionistas da austeridade, especialmente se efectuada pelo
lado da despesa.
Mas o papel deste economista não se limitou aos
artigos científicos que escreveu. Precisamente devido à convergência
entre as ideias que propunha e as preferências ideológicas de vários
líderes da época, a intervenção de Alesina não se limitou à esfera
académica, tendo sido convidado para participar numa reunião dos Ministros da Economia e Finanças da UE, o Ecofin, em Abril de 2010,
na qual apresentou uma versão simplificada e especialmente categórica
das mesmas ideias. Poucos meses mais tarde, Alesina publicava um artigo no Wall Street Journal
em que, na mesma linha, afirmava que “a História mostra que os cortes
na despesa são a chave para a recuperação económica”. Tudo isto está
relatado em detalhe no livro de Mark Blyth, “Austeridade: História de
uma Ideia Perigosa”.
Estas ideias de Alesina foram abundantemente
utilizadas nos meios políticos para legitimar as políticas
austeritárias que em breve seriam adoptadas, tendo o autor sido citado,
por exemplo, no comunicado do Ecofin no final da reunião referida em
cima ou pelo então Presidente do BCE Jean-Claude Trichet. Tal como
resumiu um artigo da época da Bloomberg Business Week, “Alesina proporcionou a munição intelectual que os conservadores orçamentais [“fiscal conservatives”] procuravam”.
A
base de sustentação da argumentação de Alesina era especialmente
frágil, assentando em hipóteses teóricas muito discutíveis (uma versão
da ‘equivalência ricardiana’, a ideia que as políticas contracíclicas
não o são porque os consumidores/contribuintes antecipam e anulam os
seus efeitos) e em evidência empírica problemática (principalmente por
causa da selecção enviesada de casos confirmatórios e da insuficiente
consideração do efeito de outras variáveis, como as depreciações
cambiais, nos casos confirmatórios). E a ideia que os cortes na despesa
são preferíveis aos aumentos de impostos do ponto de vista do impacto
sobre a actividade económica, em que Alesina continua a insistir ainda
hoje, vai contra numerosos estudos que têm encontrado multiplicadores da
despesa pública superiores aos da receita.
Esses problemas
metodológicos e essas conclusões erróneas foram dissecados em diversos
artigos nos anos seguintes. E nesses mesmos anos ficou uma vez mais
demonstrado à evidência, especialmente nos países como Portugal e a
Grécia em que a austeridade foi mais intensa, que os cortes da despesa
pública e os aumentos de impostos têm mesmo um efeito recessivo, fazendo
contrair a confiança, a actividade económica e o emprego.
É
certo que as ideias defendidas por Alesina se inserem numa longa
linhagem que remonta aos economistas clássicos. E com certeza que este
economista não foi por si só responsável pela adopção de políticas
austeritárias nos anos de chumbo da Grande Recessão, que se deveram
principalmente a opções ideológicas e aos interesses particulares que
essas políticas serviam. Mas é um facto que, como muitas vezes sucede
com os economistas, Alesina legitimou intelectualmente políticas que
produziram resultados muito nocivos para a maioria das pessoas. Quer
hoje se envergonhe disso quer não, não pode negar essa parte da
paternidade.
IN "EXPRESSO"
26/07/18
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