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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
30/07/18
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Mandela e a igual
dignidade dos homens
Quando falamos de "santidade", no âmbito de uma tradição religiosa,
temos a tendência para consagrar o sentido da palavra ao conjunto
daqueles que reconhecidamente, pelas instâncias competentes, se
dedicaram "exclusivamente à oração", tendo um comportamento de
autenticidade da relação dela com a intervenção no mundo em que lhes
aconteceu viver.
De facto, aquilo que reconhecidamente
necessitamos hoje, perante a falta de governança do que chamamos
globalismo, e do encontro inevitável de todas a etnias, culturas,
crenças, e falta destas, é que tal virtude, no dizer do Dalai Lama, é
mais necessária do que apenas a prática reconhecida pelas "religiões
tradicionais". Para tentar manter o tema com uma dimensão que ultrapassa
o âmbito da doutrina e da ação católica, começarei por recordar
palavras do lembrado Dalai Lama, que me levaram a juntar os nomes de
Mandela, do Mahatma Gandhi, e em nossos dias mais recentes, de Luther
King, o último assassinado ao pregar o seu - I Have a dream, o penúltimo
assassinado quando e porque pregava a união da igualdade entre hindus e
muçulmanos na Grande Índia, e Mandela dando o exemplo de pregar e
praticar a igual dignidade dos homens, com o perdão intimo de todas as
amarguras que sofrera pela vigência do regime que se chamou apartheid na
África do Sul.
Serão certamente inspiradoras de meditação estas
palavras de Dalai Lama, que há anos tive a honra de apresentar no
auditório da Reitoria da Universidade de Lisboa, e que retiro da
entrevista que concedeu a Franz Alt, publicada com o título "Um Apelo ao
Mundo" (20-20 Editora, 2018) e que são os seguintes: "O Mahatma Gandhi
era um homem profundamente religioso, mas também tinha uma mente
secular. Nas suas sessões diárias de oração liam-se e cantavam-se textos
de todas as grandes religiões e fontes de saber. Gandhi era um grande
amigo de Jesus e do pacifismo que revelou no Sermão da Montanha.
É
o meu modelo porque incorporou essencialmente a tolerância religiosa.
Esta tolerância possui raízes ancestrais na Índia. A Índia alberga
hindus, muçulmanos, cristãos, sikhs, jainistas, budistas, zoroastrianos,
agnósticos, e ateus, e vivem juntos pacificamente - com poucas
exceções". É por isso que não são inoportunas, estas palavras do
Francisco, Bispo de Roma, recolhidas por Paulo Neves da Silva (Papa
Francisco, Frases e Reflexões, 20/20 Editora, Lisboa, 2017): "Não são as
coisas exteriores que nos fazem santos ou não santos, mas é o coração
que expressa as nossas intenções, as nossas escolhas, as atitudes
exteriores são a consequência do que decidimos no coração, mas não o
contrário... A fronteira entre o bem e o mal não passa fora de nós, mas
sim, dentro de nós".
Não obstante tal doutrina ter herdado o
legado da chamada Doutrina Ibérica da Paz, resultante do ensino das
Universidades de Coimbra, de Évora, de Salamanca, o contexto das etnias e
culturas diferentes produziu uma teoria de mitos raciais, que na
expressão mais severa foi a escravatura, praticada por europeus,
africanos, orientais, este ajudando a construir, sob a direção dos
Brancos, o que são hoje os EUA, que se povoaram de emigrantes europeus
depois de extinguirem os nativos em que avultava a grande Nação dos
Iroqueses, e a escravatura que exigiu uma guerra civil para ser extinta,
e mais tempo para terminar com a descriminação de que foi vitima o
também santo Luther King. Tais mitos raciais, têm relevo nas memórias
dos vivos pelo exercício brutal do nazismo, que tornou esdruxula a
tradição antiga da própria Europa, mas sobretudo na África e, nesta,
pelo regime do Apartheid que Mandela teve de enfrentar.
A
superioridade que os brancos se atribuíam tem não apenas, neste caso,
motivações económicas, mas é menos explicável que os atingidos pelos
mitos de superioridade branca tenham em muitas regiões considerado que
tal cor era preferível à sua.
Recentemente, Martin Jacques,
"visiting fellow at the London School of Economics", dedicou parte das
suas longas investigações à busca das razões pelas quais as tendências
ocidentais da moda, do vestuário, da estética feminina, sejam facilmente
adotadas pelas regiões que foram colonizadas pelos ocidentais,
procurando aproximar a cor das peles diversas, das técnicas
embelezadoras das mulheres brancas (Martin Jacques, Quando a China
Mandar no Mundo, Circulo de Leitores, Lisboa, 2012).
Trata-se de um
escritor que evidentemente não dá apoio a nenhum mito racial, mas este
tema passou a ter interesse quando os europeus tendem para ser uma
minoria nesta "terra casa comum dos homens" se a demografia continuar no
sentido atual. É destes homens, aos quais atribuo santidade, a que
também me parece existir nos lideres europeus que procuraram, depois de
viver a guerra de 1939-1945, organizar a Europa e o Ocidente sob o sonho
de "nunca mais". E foi esse sonho de "nunca mais" que marcou a
intervenção de Mandela no mundo em que lhe aconteceu viver.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
30/07/18
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