27/06/2018

FRANCISCO LOUÇÃ

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Isso já não é 
só culpa de Trump

Mais um tweet de Trump e a questão da imigração passou a um novo patamar, depois do episódio das crianças separadas dos pais e fechadas em grades. No domingo, o Presidente norte-americano sugeriu que os imigrantes possam ser deportados administrativamente, sem recurso a tribunais. A fronteira passaria a ser um território em que a única lei é a ordem arbitrária. Não é muito diferente do que hoje existe, mas o enunciado omnipotente é clarificador. 

No mesmo dia em que Trump tweetava a sua nova conceção, reunia-se em Bruxelas uma cimeira “informal”, a que faltaram diversos governos, incluindo Portugal, para discutir o assunto migrações e para aplanar caminho para a cimeira formal do final desta semana – a tal cimeira que ia resolver os problemas tão adiados da reforma do euro e outras grandes questões. No domingo foi o que se esperava, não houve texto final (um projeto chegou a ser escrito e foi abandonado por exigência da Itália) e Merkel explicou, também num tweet à saída da reunião, que “saímos daqui muito satisfeitos, imprimimos uma nova direção no debate em curso”. Acrescentou, com alguma malícia, que a cimeira revelou que há “boa vontade para discutir os desacordos”, mas que o mais provável é não haver entendimento para uma política europeia comum, antes acordos bilaterais e trilaterais, que ninguém sabe o que serão e como serão.

O tempo, entretanto, aperta. Merkel tem uma semana para apresentar ao seu governo uma solução europeia, ou a CSU bávara poderá quebrar a aliança histórica da democracia-cristã alemã e teremos eleições, caso a chanceler não ceda no bloqueio à entrada de migrantes que tenham obtido entrada por outros países. Seria uma rutura da regra de Dublin e o governo alemão parece admitir esta possibilidade, que agravaria a tensão com os países da fronteira do Mediterrâneo.

Ora, essa regra já tem um problema, de que a Itália, a Grécia e a Espanha se queixam com razão: é que a maior responsabilidade no acolhimento dos migrantes cabe aos países de fronteira e não houve uma redistribuição suficiente desse esforço. Se a Alemanha, por pressão da sua extrema-direita, tentar erguer uma barreira contra a mobilidade dos migrantes, então torna-se impossível encontrar algum consenso. 

Sabendo disso, diversos governos europeus viram-se para outra solução, que Conte apoiou em Bruxelas e que a Comissão já tinha sugerido: a criação de “plataformas de desembarque” ou “centros de acolhimento”, que bloqueariam os migrantes nos países do norte de África. Uma solução do tipo do contrato com Erdogan, agora estendido a outros países. Mas, além da constatação do fracasso desta solução vergonhosa com a Turquia, a extensão do modelo é inviável, pois os governos africanos têm recusado a alternativa, que lhes colocaria nas mãos a pressão social dos refugiados e das pessoas desesperadas que tentam atravessar o Mediterrâneo. 

Pode-se então dizer que Trump pressiona e incentiva a extrema-direita europeia e é visto como um modelo por muita gente que não o confessa. Mas a crise migratória na Europa é um problema agravado pelos governos europeus, que durante algum tempo quiseram exibir a imagem humanitária mas que rapidamente mergulharam em calculismo xenófobo. E isso já não é culpa de Trump.

IN "EXPRESSO"
26/06/18


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