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IN "OBSERVADOR"
28/04/18
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Não se esqueça que você
é apenas a madrasta
Os pais têm aquela tal garantia eterna do amor incondicional. Mas
à madrasta, resta-lhe entregar-se aos filhos da pessoa com quem vive,
sem saber se um dia, lá na frente, esse afeto será reconhecido.
Você vai aprender a amar uma criaturinha que não é sua. Vai passar
as mãos pelos seus cabelos enquanto ela se encosta sutilmente ao seu
braço. Você vai sentir a falta dela nos dias em que não está e vai mudar
uma parte gigantesca dos seus planos em virtude dessa pequena pessoa.
Mas não se esqueça, você é apenas a madrasta.
Na sua bolsa vai
haver resto de bolacha, suco de caixinha, brinquedos espalhados, lenços
para o nariz escorrendo. Nas suas compras do supermercado vai haver
muito leite, as frutas preferidas deles, um xampu que não arde nos
olhos, um docinho para mimar. Mas não se esqueça, você é apenas a
madrasta.
Você vai buscar na escola, vai chamar os amigos deles
pelo nome, vai carregar mochila, lancheira, casaco, vai cumprimentar os
professores, vai cumprimentar as outras mães. Não, calma. Ato falho.
Outras mães, não. As mães. Porque você não é mãe, você é apenas a
madrasta.
Você vai estudar com eles, vai ter que relembrar como
somar frações, vai ler dezenas de livros infantis. Você vai assistir
filmes da Disney, da Pixar, na Universal. Vai assistir Disney Junior,
Disney Chanel, Discovery Kids e boa parte da seleção infantil da
Netflix. Vai saber exatamente a qual filme se referem os brinquedos do
mês no Mc Donald’s. Mas não se esqueça, você é apenas a madrasta.
Suas
madrugadas serão interrompidas. Pesadelos, dores de barriga, febre. E
você nem terá tempo de pensar no seu incômodo, porque o sofrimento deles
te fará fechar os olhos para todo o resto. E a dor deles vai doer em
você também. Mesmo que você seja apenas a madrasta.
Você vai lavar
seus cabelos, enxugar os vãos dos dedos do pé, espalhar filtro solar
com cuidado. Você vai forrar o vaso sanitário e vai tentar lavar bumbum
em pia de banheiro de shopping center. Vai pingar remédio no nariz e
escolher bem os agasalhos. Vai lembrar de pegar o casaco deles e vai
esquecer do seu. Mas não queira decidir muito. Você é apenas a madrasta.
Você
vai precisar das broncas. Vai ser inevitável. E você vai ter medo.
Porque os pais têm aquela tal garantia eterna do amor incondicional. Mas
você não tem. E vai dar medo de acharem que você exagerou e do afeto
dos pequenos por você se ver relativizado. Mas você vai ter que dar a
bronca, não tem jeito. Sem nunca, nunca esquecer que você é apenas a
madrasta.
E todos vão poder surtar um dia ou outro. O pai. A avó.
Os tios. A mãe. O avô. Mas você, você não. Porque você é a madrasta. E
você passou muito tempo explicando para as pessoas que você não era a
madrasta má dos contos de fadas. Que você era apenas uma pessoa normal
que se apaixonou por alguém que já tinha um filho, que você acolheu sem
restrições. Então você não tem o direito de surtar e colocar tudo a
perder. Porque você é apenas a madrasta.
Você vai amar sem se
colocar limites. Vai alterar muitas rotas da sua vida. Você vai abrir
mão de noites de sexta e de manhãs preguiçosas de sábado. Você vai se
entregar, mesmo sem saber se um dia, lá na frente, esse afeto será
reconhecido. Você vai ser o melhor que você pode. Mesmo que o melhor
possível seja ser apenas uma madrasta.
IN "OBSERVADOR"
28/04/18
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