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IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
15/05/18
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Isto é um assalto
Quase ninguém se atreve a lesar um grande proprietário, nem sequer ao abrigo do adágio segundo o qual «ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão».
No início do mundo, e durante muito tempo, a terra e todas as coisas
que sobre ela havia não tinham dono nenhum. Mas depois alguns homens, os
mais fortes ou os mais pérfidos, inventaram a violência como forma de
tomar posse – e o registo de propriedade para oficializar o esbulho. De
então para cá, aquilo que pertencia a todos passou a servir para que
alguns ficassem mais ricos e mais poderosos do que os outros.
A apropriação da terra e daquilo que nela existia – incluindo,
durante muito tempo, os seres humanos que tinham o azar de lá estar –, e
a cadeia de valor acrescentado que a propriedade gerou, constituíram,
assim, uma espécie de génesis da civilização ocidental e do capitalismo.
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Não foi o melhor dos começos: filósofos como Santo Ambrósio, São
Basílio Magno ou Pierre Joseph Proudhon consideraram mesmo que a
propriedade constitui um roubo, igualmente praticado por monarcas
selvagens e pelo clero, que nem sequer se coibiu de lucrar alarvemente, e
durante vários séculos, com a escravatura.
Os autores do assalto não se limitaram, todavia, a prosperar com ele.
Criaram também mecanismos legais e éticos capazes de impedir que outros
fizessem o mesmo. O marquês de Sade explica-o de modo cristalino: «O
roubo só é punido porque viola o direito de propriedade, ainda que este
direito tenha na sua origem nada mais do que o próprio roubo.»
Quase ninguém se atreve, pois, a lesar um grande proprietário, nem
sequer ao abrigo do adágio segundo o qual «ladrão que rouba ladrão tem
cem anos de perdão». Não faltam, todavia, exemplos de empresas e pessoas
que continuam a apropriar se de bens, recursos e propriedades que,
sendo do Estado, deviam pertencer a todos os cidadãos.
Beneficiam os usurpadores, para isso, da corrupção e/ou conivência de
políticos e funcionários, e de figuras jurídicas tão burlescas como a
usucapião, que parece uma cínica homenagem do legislador aos primeiros
selvagens que se tornaram proprietários.
Embora a desigual distribuição da riqueza gerada ab initio
pelo roubo da terra nunca tenha penalizado tantos indivíduos como hoje, o
assunto quase não se discute. Entretemo-nos, em vez disso, com as
férias dos famosos, os seus romances tumultuosos, as respetivas dietas, a
substância dos abraços ou o último rebento da monarquia inglesa –
apenas o mais recente de uma longa linhagem de larápios.
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
15/05/18
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