21/05/2018

JOANA MORTÁGUA

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Um povo que tosse sangue 
e ramos de oliveira

Enquanto em Lisboa se festejava a vitória da canção israelita no festival da canção, Gaza precipitava-se para o massacre mais sangrento dos últimos anos

Estima-se que desde 1967 Israel tenha destruído mais de 800 mil oliveiras em território palestiniano. Pode parecer insignificante à luz do banho de sangue a que assistimos na noite de segunda-feira, mas é importante. O massacre das oliveiras conta-nos que a história da ocupação israelita naquele território se fez pela destruição sistemática do sustento económico, da memória e, em última instância, da existência de um povo.

Simbolicamente as oliveiras representam as raízes, a relação do povo palestiniano com a sua terra, aquela por que são mortos. É por isso que perguntar o que é que acontece quando Israel arrancar todas as oliveiras não anda muito distante de querer saber com quantos massacres se faz um genocídio.

Ninguém fez essa pergunta na noite de domingo quando se ouvia em 3 línguas “Israel, 12 pontos”. Enquanto em Lisboa se festejava a vitória da canção israelita no Festival da Eurovisão, engalanavam Jerusalém ocupada para receber a embaixada dos Estados Unidos da América e Gaza precipitava-se para o massacre mais sangrento dos últimos anos.

Condenar esse massacre é o mais fácil para comunidade internacional. Já tinha acontecido quando Donald Trump anunciou a decisão de transferir a Embaixada que estava em tel Aviv para Jerusalém ocupada, violando o estatuto especial da cidade, a lei internacional, resoluções das Nações Unidas, tratados e protocolos.

Todos sabíamos que a decisão era incendiária. Todos conhecemos a história da destruição das oliveiras, muitos avisaram o que faria Netanyahu com as costas quentes. Mas ainda assim, ao cair da noite, as tropas israelitas mataram pelo menos 58 palestinianos, incluindo várias crianças, e feriram mais de 3000 pessoas. Mais uma vez, Israel provou que a cumplicidade internacional é licença para matar.
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Porque foi um banho de sangue, porque correram mundo as imagens de drones a despejar bombas de gás numa multidão desarmada, porque é evidente que um dos países mais bélicos do mundo não precisa de balas reais (e de fragmentação) para “defender” fronteiras ameaçadas por calhaus... por tudo isto, Israel será condenado internacionalmente. Outra vez.

Só que nada será como dantes. Israel é o carcereiro de mais 1 milhão e 800 mil pessoas presas numa faixa de 41 km de comprimento por entre 6 e 12 km de largura chamada Faixa de Gaza. Uma prisão de onde não se pode fugir, apenas se pode sobreviver a um massacre. E de quantos massacres se faz um genocídio? A tragédia não está só na resposta mas no tempo que a comunidade internacional está disposta a esperar por ela.

É aqui que se cruzam os três acontecimentos de domingo e segunda-feira. Não é indiferente saber se é aceitável que um país responsável por apartheid, massacres, colonização violenta, ocupações ilegais e crimes contra a humanidade continue a ser recebido na Europa como se de um clube de amigos se tratasse. Não é compreensível que os países europeus acalmem as suas consciências com a ausência da inauguração da embaixada norte-americana. São necessárias ações fortes para obrigar Israel a respeitar os direitos humanos. E é necessário travar Israel e isso começa por dar aos palestinianos a maior defesa possível: o reconhecimento internacional do Estado da Palestina.

O povo palestiniano sabe que nunca poderão arrancar todas as oliveiras, porque “quando abrimos a boca para contar uma história, qualquer história, tossimos do nosso corpo um ramo de oliveira, tossimos a história palestiniana”*. Lutar todos os dias para sobreviver à sua própria história, é esta a condição de um povo que teima em agarrar-se à ideia de existir. E precisa de saber que não foi abandonado.

[*] Shahd Wadi, “Corpos na Trouxa: histórias-artísticas-de-vida de mulheres palestinianas no exílio”, Edições Almedina, setembro de 2017

Deputada do Bloco de Esquerda

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16/05/18

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