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IN "OBSERVADOR"
03/05/18
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Das rendas da energia
a Manuel Pinho
Os alertas de Marcelo no 25 de Abril começam a ser percebidos uma
semana depois. Misturar as rendas da energia com os comportamentos
políticos e éticos de Sócrates e Pinho é danoso para a democracia.
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Uma comissão parlamentar de inquérito sobre as designadas “rendas
da energia” podia e devia ter sido realizada há muito tempo. Até a
troika, com especial relevo para o FMI, se escandalizava com os CMEC
(Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual) que substituiu os CAE
(Contratos de Aquisição de Energia). Mas nunca nenhum partido político,
da esquerda à direita, se preocupou em ser consequente com as criticas
que ia fazendo a esses contratos.
O Bloco de Esquerda foi, ao
longo dos anos, o partido que mais alto falou sobre esse caso das rendas
da energia – que nos fazem pagar caro a electricidade. Já podia ter pedido uma comissão parlamentar de inquérito
há muito tempo e até tomado iniciativas legislativas que mudassem esse
estado de coisas. Nunca o fez de forma eficaz. Podemos estar a ser
injustos, mas querer agora uma comissão parlamentar de inquérito sobre
as rendas da energia quando estamos perante suspeitas de um ministro ter
recebido do BES dinheiro, quando era ministro, e perante uma acusação
como a da Operação Marquês, que envolve um ex-primeiro-ministro, é
falhar no essencial. A iniciativa do PSD, ainda que limitada, surge como muito mais focada no que é importante para a democracia.
Não
que o caso das rendas da energia não seja importante e que, no limite,
não tenha como responsáveis políticos Manuel Pinho e José Sócrates. Mas
não é nesse processo que temos a maior ameaça à confiança dos cidadãos
na política e nos políticos, pilares essenciais para acreditarmos na
democracia. Uma comissão parlamentar de inquérito sobre esse tema é
menos importante do que fazer todos os esforços para corrigir o que
ainda se pode fazer nesse domínio.
A documentação que já existe sobre o caso das rendas da energia revela que as alterações substanciais foram feitas em 2007.
A passagem dos CAE para os CMEC foi ditada por directivas europeias. O
respectivo decreto-lei é de Dezembro de 2004 – com Pedro Santana Lopes
como primeiro-ministro — mas é aplicado apenas em 2007 — já com José
Sócrates como primeiro-ministro e Manuel Pinho ministro da Economia.
Esse diploma entra em vigor com uma portaria com data de 20 de Julho de
2007 (Portaria 611) e com um decreto-lei com data de 31 de Maio (D-L
226-A/2007 que consagra as condições de extensão do domínio hídrico). E é
nesta última legislação que se centra boa parte das dúvidas. Primeiro
porque, contrariamente aos anteriores diplomas, não foi submetida à
avaliação da Comissão Europeia no âmbito das ajudas de Estado. Em
segundo lugar porque é este último pacote legislativo de 2007 que contém
as regras consideradas como generosas para a EDP.
Há uma
vastíssima documentação sobre esta matéria que, com certeza, exige a
avaliação de responsabilidades políticas mas que, à luz do que sabemos
hoje sobre a Operação Marquês e sobre os recebimentos de Manuel Pinho,
são um pequeno aspecto. Requer trabalho político, com certeza. Mas mais
concentrado nas possibilidades de mudar a legislação do que numa
comissão parlamentar de inquérito. Com esta iniciativa, o Bloco de
Esquerda corre o risco de ser visto, por absurdo que pareça, como um
partido que tenta limpar a imagem de Ricardo Salgado, de Manuel Pinho e
de José Sócrates.
O que exige uma comissão parlamentar de
inquérito ou, no mínimo, uma audição, ao que foram os anos de governação
de José Sócrates e que têm não apenas o caso da anergia mas também a
gestão da CGD, com os créditos que concedeu, e o negócio da falecida PT,
para citar os casos mais conhecidos. O próprio PS não pode fingir que
nada disto aconteceu com um Governo em que tinha a maioria absoluta e no
qual foram ministros algumas das personalidades que hoje fazem parte da
equipa de António Costa.
Manuel Pinho não pode ser o escudo para
se evitar falar no que se passou na gestão governativa desses anos. Se
tudo o que se passou na altura se resumir a Manuel Pinho ficamos com a
ideia defendida por João Miguel Tavares em “Está aberta a época de tiro ao Pinho”.
Os partidos não podem funcionar como associações que defendem os seus
militantes, seja o que for que eles façam, muito menos quando se trata
de um ex-primeiro-ministro. É por isso bem vinda, embora minimalista e
inconsequente, a declaração de Carlos César quando diz que o PS se sente “envergonhado” com o caso Sócrates.
O
Presidente da República tem antecipado os riscos que corremos com a
acumulação de processos e casos envolvendo a classe política. O último
alerta que fez, para os riscos de populismo, no discurso das
comemorações do 25 de Abril, junta-se outros que são aqui enquadrados
por Joana Ferreira da Costa.
Até
às eleições do próximo ano continuaremos a assistir a sucessivas
revelações de aproveitamento de cargos políticos para enriquecimento
privado que, todos sabem, são perigosíssimos para a participação
política dos cidadãos e que tornam tentadores os chamamentos populistas e
autoritários.
Aos casos gravíssimos que lemos na acusação Marquês e
agora com Manuel Pinho descoberto no âmbito do caso EDP,
juntam-se os outros como o aproveitamento de lacunas na lei para os
deputados ganharem dinheiro com as viagens à Madeira e aos Açores
através de um subsídio social que, como a designação “social” indica, se
destina aos que ganham menos na sociedade.
Tudo o que a classe
política puder fazer para mostrar que não perdoa a quem, militante ou
não, retira benefícios privados de cargos públicos será pouco. Aquilo a
que estamos a assistir é demasiado aterrador e corre o risco de abalar
mesmo os que mais defendem a democracia. Vale mais prevenir do que
remediar, como diz o Presidente que lhe disse um jovem. É preciso ser
implacável com quem viola regras éticas e políticas básicas. O colapso
do BES foi, como já alguém disse, a mais importante reforma estrutural
da era da crise. Temos de saber tirar partido dela e fazer nascer daqui
uma sociedade menos corrupta. Seremos mais felizes e menos expostos a
riscos populistas e autoritários.
IN "OBSERVADOR"
03/05/18
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