Serão as armas
os próximos alvos dos
investidores conscientes?
Hoje, empresas e investidores reconhecem que o seu poder deve ser usado de maneira responsável, e que têm um papel significativo a conduzir a mudança e a influenciar as políticas e a acção, não só para seu próprio bem, mas também para a segurança a longo prazo e para o bem-estar das pessoas em todo o mundo.
Na manhã de 11 de Setembro de 2001, numa sala de conferências
em França cheia de investidores institucionais de todo o mundo falei
sobre o surgimento de uma nova tendência – importante, mas não
totalmente reconhecida: investir com consciência. A audiência achou
ridículo, para dizer o mínimo. Investir tem tudo a ver com retornos.
Naquela
tarde, o World Trade Center foi atingido por aviões e tudo mudou. Nos
dias que se seguiram, quando a magnitude total do horror se instalou, as
mesmas pessoas que se mostraram cépticas voltaram a falar comigo sobre
investir com um sentido de direcção e propósito, e de formas que
contribuíssem para algo maior do que os lucros. A comunidade investidora
começou a transformar o seu pensamento.
Naquela
sala de conferências, descrevi como os investidores se opuseram ao
apartheid, desinvestindo em empresas sul-africanas, com fundos de
pensões e outros a incluírem cláusulas nas suas directrizes proibindo
mais investimentos desse tipo. Essas disposições só foram retiradas em
1993, depois de Nelson Mandela ter instado os investidores estrangeiros a
regressarem.
Muitas
organizações, observei, foram desencorajadas por consultores que
insistiam que para aumentarem as suas dotações tinham de separar a sua
consciência da necessidade de obter retornos fortes. As instituições de
caridade tiveram dificuldades em encontrar formas de investir o seu
dinheiro sem contribuir inadvertidamente para os problemas que estavam a
tentar resolver. Os comités de investimento de instituições
anti-tabagismo não queriam colocar o seu dinheiro em empresas de tabaco.
A mudança no clima de investimento demorou a chegar, antes do 11 de Setembro de 2001 se ter tornado no 9/11. Nessa altura, houve um novo sentido de aceitação, urgência e ritmo.
O
tiroteio em massa numa escola secundária em Parkland, na Flórida, pode
revelar-se um ponto de inflexão semelhante para o controlo das armas,
com empresas e investidores a abordarem a questão da segurança e da
culpabilidade. Agora, os fabricantes de armas dos EUA estão a começar a
sentir o impacto do princípio de investir com consciência.
É
claro que o debate sobre o controlo das armas nos EUA é longo e amargo,
moldado por desentendimentos aparentemente intratáveis ??sobre
identidade e política. No entanto, o mais recente tiroteio em massa - no
qual um jovem de 19 anos abriu fogo na sua antiga escola com uma AR-15,
matando 17 pessoas e ferindo outras 17 - pode servir como mais um
trágico, mas importante ponto de viragem para investidores e empresas.
A
National Rifle Association continua a ser uma força política poderosa
nos EUA. Com as suas grandes doações políticas e capacidade de mobilizar
os seus membros, a NRA continua a ditar as acções dos legisladores, que
inevitavelmente oferecem apenas pensamentos, orações e desculpas após
cada massacre. Agora, muitos até defendem a colocação de armas nas salas
de aulas, forçando os professores a agirem como polícias armados.
Mas
a realidade dos tiroteios em massa nos EUA - juntamente com os
poderosos apelos dos sobreviventes de Parkland para a regulamentação das
armas - parece ter tocado muitas empresas. Uma das maiores retalhistas
de artigos desportivos dos Estados Unidos, a Dick's Sporting Goods,
anunciou que deixará de vender armas a menores de 21 anos e deixará de
comercializar espingardas de assalto.
Várias
empresas incluindo hotéis (Best Western e Wyndham), firmas de aluguer de
carros (Hertz e Enterprise), a Delta Airlines e a seguradora Chubb
cortaram as suas afiliações com a NRA - uma medida que traz riscos
reais. O vice-governador da Geórgia, Casey Cagle, escreveu no Twitter
que "mataria qualquer legislação tributária" que beneficiasse a Delta, a
menos que a empresa restabelecesse a sua relação com a NRA. A Delta
manteve-se firme na sua decisão e os legisladores da Geórgia aprovaram
um projecto de lei que retira uma proposta de isenção fiscal que teria
poupado 50 milhões de dólares à empresa.
Os
investidores estão a olhar agora para os seus portefólios para ver onde
também eles podem ajudar a impulsionar o progresso. Isso já aconteceu
antes. Após o tiroteio em 2012 na Sandy Hook em Newtown, Connecticut -
quando um homem de 20 anos matou 20 alunos e seis adultos - o CalSTRS,
fundo de pensões dos professores do estado da Califórnia, retirou os
seus investimentos da fabricante de armas Remington Outdoor.
Mas
o tiroteio de Parkland parece ter tido um impacto ainda maior. A
Blackrock, uma gestora de fundos de 6,3 biliões de dólares, estabeleceu
agora uma nova abordagem para os fabricantes de armas, com os
investidores a receberem informações claras e transparentes sobre se
estão a investir nesse tipo de empresas. Outros estão a seguir o
exemplo, discutindo o desinvestimento em fabricantes de armas com os
comités de investimento.
Acções deste tipo
são parte de uma tendência maior de promover mudanças importantes. Hoje,
os grandes investidores, como fundos soberanos e fundos de pensões,
estão a forçar as empresas a olharem com mais atenção para o seu impacto
ambiental, governança e estrutura remuneratória. Se as empresas
continuarem a provocar danos, esses investidores colocarão o seu
dinheiro noutro lugar.
O fundo soberano de 1
bilião de dólares da Noruega, por exemplo, tem políticas rígidas contra o
investimento em empresas que fabricam armas nucleares e munições de
fragmentação, ou que estão envolvidas na produção de carvão ou produtos
de tabaco. Empresas norte-americanas, bem como governos estaduais e
municipais, anunciaram planos para cumprir os compromissos assumidos
como parte do acordo climático de Paris em 2015, apesar da decisão do
presidente Donald Trump de retirar os Estados Unidos do acordo. E foram
exigências de patrocinadores que obrigaram a FIFA a reexaminar a sua
governança e estrutura.
Muita coisa mudou
desde que estive naquele sala de conferências em 2001 a falar sobre o
futuro do investimento e do desinvestimento. Hoje, empresas e
investidores reconhecem que o seu poder deve ser usado de maneira
responsável, e que têm um papel significativo a conduzir a mudança e a
influenciar as políticas e a acção, não só para seu próprio bem, mas
também para a segurança a longo prazo e para o bem-estar das pessoas em
todo o mundo.
* CEO da Marcus Venture Consulting.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
05/04/18
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