07/04/2018

LUCY P. MARCUS

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Serão as armas 
os próximos alvos  dos
investidores conscientes?

 Hoje, empresas e investidores reconhecem que o seu poder deve ser usado de maneira responsável, e que têm um papel significativo a conduzir a mudança e a influenciar as políticas e a acção, não só para seu próprio bem, mas também para a segurança a longo prazo e para o bem-estar das pessoas em todo o mundo.

Na manhã de 11 de Setembro de 2001, numa sala de conferências em França cheia de investidores institucionais de todo o mundo falei sobre o surgimento de uma nova tendência – importante, mas não totalmente reconhecida: investir com consciência. A audiência achou ridículo, para dizer o mínimo. Investir tem tudo a ver com retornos.

Naquela tarde, o World Trade Center foi atingido por aviões e tudo mudou. Nos dias que se seguiram, quando a magnitude total do horror se instalou, as mesmas pessoas que se mostraram cépticas voltaram a falar comigo sobre investir com um sentido de direcção e propósito, e de formas que contribuíssem para algo maior do que os lucros. A comunidade investidora começou a transformar o seu pensamento.

Naquela sala de conferências, descrevi como os investidores se opuseram ao apartheid, desinvestindo em empresas sul-africanas, com fundos de pensões e outros a incluírem cláusulas nas suas directrizes proibindo mais investimentos desse tipo. Essas disposições só foram retiradas em 1993, depois de Nelson Mandela ter instado os investidores estrangeiros a regressarem.

Muitas organizações, observei, foram desencorajadas por consultores que insistiam que para aumentarem as suas dotações tinham de separar a sua consciência da necessidade de obter retornos fortes. As instituições de caridade tiveram dificuldades em encontrar formas de investir o seu dinheiro sem contribuir inadvertidamente para os problemas que estavam a tentar resolver. Os comités de investimento de instituições anti-tabagismo não queriam colocar o seu dinheiro em empresas de tabaco.

A mudança no clima de investimento demorou a chegar, antes do 11 de Setembro de 2001 se ter tornado no 9/11. Nessa altura, houve um novo sentido de aceitação, urgência e ritmo.

O tiroteio em massa numa escola secundária em Parkland, na Flórida, pode revelar-se um ponto de inflexão semelhante para o controlo das armas, com empresas e investidores a abordarem a questão da segurança e da culpabilidade. Agora, os fabricantes de armas dos EUA estão a começar a sentir o impacto do princípio de investir com consciência.

É claro que o debate sobre o controlo das armas nos EUA é longo e amargo, moldado por desentendimentos aparentemente intratáveis ??sobre identidade e política. No entanto, o mais recente tiroteio em massa - no qual um jovem de 19 anos abriu fogo na sua antiga escola com uma AR-15, matando 17 pessoas e ferindo outras 17 - pode servir como mais um trágico, mas importante ponto de viragem para investidores e empresas.

A National Rifle Association continua a ser uma força política poderosa nos EUA. Com as suas grandes doações políticas e capacidade de mobilizar os seus membros, a NRA continua a ditar as acções dos legisladores, que inevitavelmente oferecem apenas pensamentos, orações e desculpas após cada massacre. Agora, muitos até defendem a colocação de armas nas salas de aulas, forçando os professores a agirem como polícias armados.

Mas a realidade dos tiroteios em massa nos EUA - juntamente com os poderosos apelos dos sobreviventes de Parkland para a regulamentação das armas - parece ter tocado muitas empresas. Uma das maiores retalhistas de artigos desportivos dos Estados Unidos, a Dick's Sporting Goods, anunciou que deixará de vender armas a menores de 21 anos e deixará de comercializar espingardas de assalto.

Várias empresas incluindo hotéis (Best Western e Wyndham), firmas de aluguer de carros (Hertz e Enterprise), a Delta Airlines e a seguradora Chubb cortaram as suas afiliações com a NRA - uma medida que traz riscos reais. O vice-governador da Geórgia, Casey Cagle, escreveu no Twitter que "mataria qualquer legislação tributária" que beneficiasse a Delta, a menos que a empresa restabelecesse a sua relação com a NRA. A Delta manteve-se firme na sua decisão e os legisladores da Geórgia aprovaram um projecto de lei que retira uma proposta de isenção fiscal que teria poupado 50 milhões de dólares à empresa.

Os investidores estão a olhar agora para os seus portefólios para ver onde também eles podem ajudar a impulsionar o progresso. Isso já aconteceu antes. Após o tiroteio em 2012 na Sandy Hook em Newtown, Connecticut - quando um homem de 20 anos matou 20 alunos e seis adultos - o CalSTRS, fundo de pensões dos professores do estado da Califórnia, retirou os seus investimentos da fabricante de armas Remington Outdoor.

Mas o tiroteio de Parkland parece ter tido um impacto ainda maior. A Blackrock, uma gestora de fundos de 6,3 biliões de dólares, estabeleceu agora uma nova abordagem para os fabricantes de armas, com os investidores a receberem informações claras e transparentes sobre se estão a investir nesse tipo de empresas. Outros estão a seguir o exemplo, discutindo o desinvestimento em fabricantes de armas com os comités de investimento.

Acções deste tipo são parte de uma tendência maior de promover mudanças importantes. Hoje, os grandes investidores, como fundos soberanos e fundos de pensões, estão a forçar as empresas a olharem com mais atenção para o seu impacto ambiental, governança e estrutura remuneratória. Se as empresas continuarem a provocar danos, esses investidores colocarão o seu dinheiro noutro lugar.

O fundo soberano de 1 bilião de dólares da Noruega, por exemplo, tem políticas rígidas contra o investimento em empresas que fabricam armas nucleares e munições de fragmentação, ou que estão envolvidas na produção de carvão ou produtos de tabaco. Empresas norte-americanas, bem como governos estaduais e municipais, anunciaram planos para cumprir os compromissos assumidos como parte do acordo climático de Paris em 2015, apesar da decisão do presidente Donald Trump de retirar os Estados Unidos do acordo. E foram exigências de patrocinadores que obrigaram a FIFA a reexaminar a sua governança e estrutura.

Muita coisa mudou desde que estive naquele sala de conferências em 2001 a falar sobre o futuro do investimento e do desinvestimento. Hoje, empresas e investidores reconhecem que o seu poder deve ser usado de maneira responsável, e que têm um papel significativo a conduzir a mudança e a influenciar as políticas e a acção, não só para seu próprio bem, mas também para a segurança a longo prazo e para o bem-estar das pessoas em todo o mundo.

* CEO da Marcus Venture Consulting.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
05/04/18

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