30/04/2018

AMÍLCAR CORREIA

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A violência não se namora

Os alunos do 11. º ano de uma escola secundária são uma amostra eloquente de como esta violência se camufla e cruza, transversalmente, grupos etários de diferentes estratos sociais.

A violência de género — e a assunção de que o poder é uma propriedade exclusivamente masculina — está de tal modo entranhada que os adolescentes pedem para que o tema seja tratado na escola “desde pequenos”. A violência de género, e a violência no namoro em particular, é tão omnipresente quanto inconsciente. E daí a sugestão. Os alunos do 11.º ano de uma escola secundária de Vila Nova de Gaia, que foram inquiridos num estudo que o PÚBLICO hoje divulga, são uma amostra eloquente de como esta violência se camufla e cruza, transversalmente, a grupos etários de diferentes estratos sociais.

Dizem eles que sabem do que se trata, mas que não falam muito sobre isso. Dizem eles que estas questões da violência deveriam ser abordadas nas escolas desde muito cedo, para que melhor interiorizassem estes temas, nomeadamente para que estivessem alerta diante de tentativas de controlo por parte do outro. Formas de controlo, que embora destituídas de violência formal, como o controlo do telefone ou da forma de vestir, não deixam de ser formas de controlo e de exercício de violência sobre alguém — a repetição dos padrões alarves de uma cultura patriarcal que permanece sexista e misógina.

Este projecto, chamado Catch-Eyou, no âmbito do qual o estudo foi desenvolvido, tem um objectivo claro: levar os jovens a interessarem-se por questões com que se confrontam no seu quotidiano, a reflectir sobre elas e, sobretudo, a desenvolver uma cidadania activa que os impeça de cair na imbecil reprodução dos mesmos estereótipos de sempre. Indubitavelmente, a escola tem aí um grande papel a desempenhar e era bom que não se abstivesse de o fazer. Serão os professores capazes de fugir à distinção clássica: “O rapaz gosta de futebol, a rapariga gosta mais de dança”.

Quando passamos do ensino secundário para o ensino universitário, constatamos que uma em cada dez vítimas de violência no namoro sofreu ameaças de morte; que mais de metade dos inquiridos no Estudo Nacional sobre a Violência no Namoro, apresentado em Fevereiro passado, foi vítima de violência no namoro ou que 37% admitiram já a ter praticado. Um outro estudo, da autoria da UMAR e também divulgado em Fevereiro, revela que para um em cada quatro jovens a violência sexual é “natural” no namoro. Mais uma razão para que o tema seja abordado nas escolas, como sugerem os próprios adolescentes, “desde pequenos”. E nem é preciso falar em violência doméstica ou na La Manada, pois não?

IN "PÚBLICO"
29/04/18

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