De boas intenções
está o inferno cheio
O
ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor,
anunciou esta quinta-feira, na Antena 1, que o governo prepara uma proposta para reduzir em 5% o número de vagas já nos próximos dois anos nas universidades e politécnicos de Lisboa e Porto,
aumentando na mesma proporção as vagas fora destes centros urbanos. A
proposta faz parte de um pacote de medidas que pretende promover a
mobilidade, levando mais estudantes para o interior do país, já que
pelas contas do governo, 48% dos estudantes do ensino superior público
encontram-se em Lisboa ou no Porto.
As reações a esta proposta
são e serão dicotómicas e pouco parciais, como ficou já espelhado pelas
manifestações públicas do Reitor da Universidade do Porto, Sebastião
Feyo de Azevedo, que discorda da proposta, e do presidente do
politécnico de Bragança, Sobrinho Teixeira, que aplaude a “sensatez” da
mesma.
Com mais ou menos imparcialidade, a discussão terá de ser
feita. Antes de mais, há que reconhecer dois grandes problemas. Por um
lado, a quebra da natalidade e a consequente redução de estudantes que afetará o ensino superior no seu todo. Por outro, a desertificação
do interior que põe em causa a coesão económica e social do país. Estes
problemas exigem respostas, que a meu ver, passam pela criação de
condições e incentivos que promovam quer a natalidade, como medidas de
maior apoio às famílias e de conciliação da vida familiar e
profissional, quer o dinamismo económico do interior.
Quanto a este
último ponto, há que levar a cabo o Programa Nacional para a Coesão
Territorial (PNCT) que promove medidas como a criação de um quadro
fiscal mais vantajoso para as localidades do interior e para as PME que
para lá se deslocalizem, a desconcentração e descentralização
territorial de serviços públicos, por exemplo, através da reabertura de
tribunais, a implementação de incentivos financeiros para a colocação de
médicos em zonas carenciadas e a articulação entre os politécnicos e
universidades do interior.
A redução das vagas no ensino
superior em Lisboa e Porto e consequente aumento no interior, tem em
vista o grande objetivo de maior coesão territorial. Não tenho qualquer
dúvida, que a medida tenha boas intenções, mas de boas intenções o
inferno está cheio. Esta medida atua na margem, ou seja, terá
impacto nos 5% de alunos com qualificações mais baixas que conseguiriam
ser colocado em determinados cursos, em Lisboa ou no Porto, mas que,
devido à redução do número de vagas nas universidades públicas nestas
cidades, passam a não o conseguir. Estes 5% deixados de fora que, mais
uma vez importa referir, estão na ponta da distribuição quanto às médias
de entrada no ensino superior, terão várias opões, que não passarão
necessariamente por uma deslocalização para o interior. Existem duas
razões para tal.
Primeiro, muitos destes alunos, com uma
preferência vincada por estudar nas principais cidades, tentarão outros
cursos, em Lisboa ou no Porto, nos quais a média de entrada pode
permitir a sua admissão. Mais, implica ainda que admissão
destes alunos nestes cursos, “expulse” outros com médias ainda mais
baixas, sendo estes os alunos que possivelmente se deslocarão para o
interior, onde até poderão ter acesso a cursos para os quais não têm
grandes qualificações e aptidões.
Uma distribuição ineficiente
de alunos pelos cursos, que não se coaduna, quer com as suas
preferências, quer com as suas qualificações, é meio caminho andado para
o insucesso escolar.
Segundo, os alunos que
deixam de conseguir vaga em Lisboa ou no Porto nos cursos que pretendem
vão também “fazer contas à vida”, ou seja, vão ver o quanto gastam com a
deslocalização para o interior em comparação com o pagamento de uma
propina numa universidade privada. Para muitos compensará optar por esta alternativa.
Esta
reafetação de vagas no ensino superior é uma medida que leva à
mobilização de alunos dos principais centros urbanos para o interior,
mas algumas questões ficam no ar: 1) Quantos alunos efetivamente
se deslocarão? 2) Qual a qualidade destes alunos? e 3) Quanto ficarão a
ganhar as universidades privadas com esta medida?
Colocar
em questão esta proposta, não implica que não concorde com o
crescimento quantitativo e qualitativo das universidades no interior,
muito pelo o contrário. Mas se queremos promover a mobilização de alunos temos de criar melhores motivos para incentivar essa mobilização.
Por exemplo, há que promover a desburocratização administrativa,
incentivar a investigação, procurar o rejuvenescimento do corpo docente
que aposte na ciência e que reforce um ecossistema de investigação,
ensino, serviço à comunidade, nomeadamente a inovação pública e
empresarial. Os alunos, sobretudo os melhores, para os quais a decisão
de onde estudar passa mais por “estudar cá ou no estrangeiro”, procuram
cada vez mais um espaço de aprendizagem que seja dinâmico e onde tenham
um papel ativo, fazendo parte de atividades de ensino e investigação. Há
que não esquecer, que muitos bons alunos escolhem sair do país para
estudar e trabalhar em universidades estrangeiras que estão isoladas
geograficamente.
Quem fizer esta desburocratização, quem apostar
claramente na internacionalização, atraindo mais jovens de todo o mundo,
quem mais rapidamente promover a inovação dos cursos oferecidos e criar
centros de investigação que se diferenciem, tem vantagens na captação
de mais e melhores alunos. Ajudar o interior a concorrer com a
atratividade dos centros urbanos, por forma a atrair mais estudantes,
passa, antes de mais, por criar incentivos para que bons professores e
investigadores trabalhem no interior. Mais, esta aposta obriga a
que todas as universidades, do interior ou litoral, se mexam no mesmo
sentido, com o perigo de, se não o fizerem, “perderem a carruagem”. No
limite, esta estratégia conduz à “chatice” de ficarmos com universidades
de maior qualidade.
Dado o quadro que temos e tanto que temos
que fazer para melhorar o ensino e a investigação em Portugal, as
universidades do interior tem armas muito melhores para captar bons
estudantes do que se fazerem valer de medidas que apenas lhes deixarão
ficar com os restos.
IN "EXPRESSO"
23/02/18
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