30/12/2017

RAQUEL RIBEIRO

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Pela primeira vez 
desde 1959 não haverá
 um Castro no poder

Miguel Diáz-Canel, o homem de quem se fala para suceder a Raul Castro em Cuba, terá dez anos para fazer a revolução na continuidade ou as rupturas que muitos esperam.

Foi o próprio Raul Castro que anunciou na passada semana, na interrupção para a pausa de Natal e as comemorações dos 59 anos da revolução, a 1 de Janeiro: Cuba “terá um novo Presidente” em 2018. Castro não sai em Fevereiro, como previsto. O seu mandato, eleito pela Assembleia Nacional do Poder Popular, terminará em Abril: dois meses que se devem ao atraso nas eleições para o novo ciclo político, afectadas pelos esforços de recuperação após o furacão Irma.

Raul Castro, 86 anos, tornou-se Presidente de Cuba em 2008 após a saída de Fidel Castro e terminará o segundo mandato de cinco anos. Pela primeira vez após 1959, não haverá um Castro no poder. Raul continuará como primeiro secretário do Partido Comunista Cubano (o único partido permitido em Cuba), mas já não à frente do governo. Pela primeira vez também, o Presidente do país não será o líder do partido.

A nova Assembleia Nacional, escolhida pelos delegados municipais, regionais e provinciais, elegerá o Conselho de Estado e o novo Presidente. Em 2011, instituiu-se o limite dos cargos políticos para o máximo de dois mandatos de cinco anos.

Portanto, o homem de quem se fala, Miguel Diáz-Canel, actual vice-presidente, nascido em 1960, terá dez anos para fazer a revolução na continuidade ou as rupturas que muitos esperam. Se há cubanos que vêem em Diáz-Canel a transição possível da geração dos veteranos da Sierra para uma elite política mais jovem, nos Estados Unidos acredita-se que sem um Castro no poder será mais fácil provocar uma “transição de regime”. A acontecer, não se dará com Diáz-Canel, que parece ser mais um apparatchik do que alguém de quem se esperam mudanças. Aliás, o vídeo do Verão passado em que Diáz-Canel aparece a criticar websites de “subversão ideológica” contra Cuba, dizendo que “os ia fechar” e que não tinha “medo que lhe chamassem censor”, deixa perceber que o VC é da ala dura do PCC.

Pode não ser Diáz-Canel. Essa é a lógica dos media ocidentais e dos opositores do eixo Miami-Havana: pensar Cuba em função dos Castro e não ver a "big picture”. Porque se há coisa em que Cuba é imprevisível é em perceber-se quem são, de facto, os protégés e os renegados. E se há coisa que os EUA não percebem é que o tecido económico, político e social cubano não se coaduna com a sua visão de “transição”.

A grande transição, aliás, foi o volte-face no processo de normalização das relações com os EUA anunciado por Donald Trump no Verão e já muito criticado por empresários cubanos, dentro e fora da ilha. Onde Obama viu uma burguesia nascente que poderia pressionar a política, as sanções de Trump vêm afectar o sector privado, aquele que a administração americana diz querer fomentar. Castro falou de uma “deterioração” das relações com os EUA, marcada pelo “recrudescimento do bloqueio, o regresso de uma retórica agressiva” e a “arbitrária aplicação de medidas” que têm afectado cubanos e as suas famílias.

O que também tem afectado os cubanos são as pressões sobre o trabalho por conta própria. As novas regulações concluíram um período de revogação de licenças, cobranças coercivas e fecho de estabelecimentos que têm provocado ondas de contestação num sector que representa 12% da população activa. As medidas visam combater a acumulação de riqueza e a evasão fiscal, e vão limitar o número de licenças por pessoa (apenas uma) ou impor tectos salariais aos patrões num valor até três vezes superior ao dos funcionários. São cerca de 580 mil os cuentapropistas e eles mudaram radicalmente o panorama económico da ilha: um número considerável que já não pode ser ignorado.

Os mandatos de Raul Castro transformaram profundamente Cuba e o seu legado é indelével, muito para além do banal “irmão de Fidel”. Raul deixa Cuba muito menos isolada em termos económicos, diplomáticos e cibernéticos. A abertura foi essencial para a sua transformação num “socialismo de mercado”: deixando entrar o mercado, só os cubanos sabem o que ainda querem defender do socialismo.

Quem vier depois de Abril sabe que só uma mudança na retórica de Washington fará com que os cubanos não vejam as novas medidas dos EUA como “mais do mesmo” (e a revolução vai a caminho dos 60 anos, em 2019). É certo que as sanções de Trump vão afectar o turismo (este ano cresceu 19,7%), mas Cuba acabou de assinar um novo acordo energético com a Rússia. Quem vier depois de Abril verá um crescimento (projectado) a 2%, mas verá também o provável agravamento da crise na Venezuela (onde há eleições). Como dizem os cubanos, “no va a ser fácil”.



IN "PÚBLICO"
27/12/17

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