Pela primeira vez
desde 1959 não haverá
um Castro no poder
Miguel Diáz-Canel, o homem de quem se fala para suceder a Raul Castro em Cuba, terá dez anos para fazer a revolução na continuidade ou as rupturas que muitos esperam.
Foi o próprio Raul Castro que anunciou na passada semana, na
interrupção para a pausa de Natal e as comemorações dos 59 anos da
revolução, a 1 de Janeiro: Cuba “terá um novo Presidente” em 2018.
Castro não sai em Fevereiro, como previsto. O seu mandato, eleito pela
Assembleia Nacional do Poder Popular, terminará em Abril: dois meses que
se devem ao atraso nas eleições para o novo ciclo político, afectadas
pelos esforços de recuperação após o furacão Irma.
Raul Castro, 86 anos, tornou-se Presidente de Cuba em 2008 após a
saída de Fidel Castro e terminará o segundo mandato de cinco anos. Pela
primeira vez após 1959, não haverá um Castro no poder. Raul continuará
como primeiro secretário do Partido Comunista Cubano (o único partido
permitido em Cuba), mas já não à frente do governo. Pela primeira vez
também, o Presidente do país não será o líder do partido.
A nova
Assembleia Nacional, escolhida pelos delegados municipais, regionais e
provinciais, elegerá o Conselho de Estado e o novo Presidente. Em 2011,
instituiu-se o limite dos cargos políticos para o máximo de dois
mandatos de cinco anos.
Portanto, o homem de quem se fala, Miguel Diáz-Canel, actual
vice-presidente, nascido em 1960, terá dez anos para fazer a revolução
na continuidade ou as rupturas que muitos esperam. Se há cubanos que
vêem em Diáz-Canel a transição possível da geração dos veteranos da
Sierra para uma elite política mais jovem, nos Estados Unidos
acredita-se que sem um Castro no poder será mais fácil provocar uma
“transição de regime”. A acontecer, não se dará com Diáz-Canel, que
parece ser mais um apparatchik do que alguém de quem se esperam mudanças. Aliás, o vídeo do Verão passado em que Diáz-Canel aparece a criticar websites
de “subversão ideológica” contra Cuba, dizendo que “os ia fechar” e que
não tinha “medo que lhe chamassem censor”, deixa perceber que o VC é da
ala dura do PCC.
Pode não ser Diáz-Canel. Essa é a lógica dos media ocidentais e dos opositores do eixo Miami-Havana: pensar Cuba em função dos Castro e não ver a "big picture”. Porque se há coisa em que Cuba é imprevisível é em perceber-se quem são, de facto, os protégés
e os renegados. E se há coisa que os EUA não percebem é que o tecido
económico, político e social cubano não se coaduna com a sua visão de
“transição”.
A grande transição, aliás, foi o volte-face no
processo de normalização das relações com os EUA anunciado por Donald
Trump no Verão e já muito criticado por empresários cubanos, dentro e
fora da ilha. Onde Obama viu uma burguesia nascente que poderia
pressionar a política, as sanções de Trump vêm afectar o sector privado,
aquele que a administração americana diz querer fomentar. Castro falou
de uma “deterioração” das relações com os EUA, marcada pelo
“recrudescimento do bloqueio, o regresso de uma retórica agressiva” e a
“arbitrária aplicação de medidas” que têm afectado cubanos e as suas
famílias.
O que também tem afectado os cubanos são as pressões
sobre o trabalho por conta própria. As novas regulações concluíram um
período de revogação de licenças, cobranças coercivas e fecho de
estabelecimentos que têm provocado ondas de contestação num sector que
representa 12% da população activa. As medidas visam combater a
acumulação de riqueza e a evasão fiscal, e vão limitar o número de
licenças por pessoa (apenas uma) ou impor tectos salariais aos patrões
num valor até três vezes superior ao dos funcionários. São cerca de 580
mil os cuentapropistas e eles mudaram radicalmente o panorama económico da ilha: um número considerável que já não pode ser ignorado.
Os
mandatos de Raul Castro transformaram profundamente Cuba e o seu legado
é indelével, muito para além do banal “irmão de Fidel”. Raul deixa Cuba
muito menos isolada em termos económicos, diplomáticos e cibernéticos. A
abertura foi essencial para a sua transformação num “socialismo de
mercado”: deixando entrar o mercado, só os cubanos sabem o que ainda
querem defender do socialismo.
Quem vier depois de Abril sabe que
só uma mudança na retórica de Washington fará com que os cubanos não
vejam as novas medidas dos EUA como “mais do mesmo” (e a revolução vai a
caminho dos 60 anos, em 2019). É certo que as sanções de Trump vão
afectar o turismo (este ano cresceu 19,7%), mas Cuba acabou de assinar
um novo acordo energético com a Rússia. Quem vier depois de Abril verá
um crescimento (projectado) a 2%, mas verá também o provável agravamento
da crise na Venezuela (onde há eleições). Como dizem os cubanos, “no va a ser fácil”.
IN "PÚBLICO"
27/12/17
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