Começar por lado nenhum
O Infarmed vai para o Porto, o Infarmed
não pode ir para o Porto; a mudança do Infarmed para o Porto não estava
decidida, a mudança do Infarmed para o Porto já estava decidida há
muito; o Infarmed é para mudar todo para o Porto, só uma parte do
Infarmed mudará para o Porto; os trabalhadores do Infarmed têm de
habituar-se à ideia da mobilidade, ninguém vai obrigar os trabalhadores
do Infarmed a fazer o contrário do que dita a lei e a sua consciência; a
mudança do Infarmed para o Porto é um sinal para o país, a mudança do
Infarmed para o Porto é, afinal, só uma vigorosa intenção que deve ser
devidamente maturada.
Com a banda
sonora apropriada, a cronologia rítmica deste caso podia dar um rap. Da
euforia à confusão, passando por um estado de negação e esvaziamento
político que redundará não se sabe exatamente em quê. Querer
descentralizar (a palavra exata é deslocalizar) por impulso dá nisto.
Como se as desigualdades territoriais se esgotassem na latitude de um
excel que, muito honestamente, duvidamos até que exista. O que é uma
pena, porque esta nação pequena está cada vez mais ensimesmada em torno
de uma capital que suga todo o valor. E o princípio de disseminação do
poder invocado pelo Governo até era meritório. Mas esta tentativa
falhada de mostrar altruísmo regional (mais uma) veio apenas provar que,
no atual modelo, o Estado é incapaz de promover reais mudanças.
O
que leva um homem experiente como António Costa a embarcar nesta
montanha-russa de contradições é um mistério. O que leva a classe
política do Porto a saltar para as carruagens em andamento em vez de
deixar esta trapalhada esvair-se naturalmente é revelador de quão
centrifugadora tem sido a gestão dos equilíbrios territoriais nos
últimos anos. E de como chegamos a um ponto em que, pior do que aceitar
uma esmola, é virar-lhe a cara e desdenhá-la. O Porto não estava à
espera da prebenda, já percebeu que ela vem forrada a veneno mas, ainda
assim, não tem como enjeitá-la, sob pena de, no futuro, ser acusado de
ingratidão. Não sendo trágico, é perverso.
Agora, o que vai ganhar a cidade e a
região com esta compensação insalubre pela perda da Agência Europeia de
Medicamentos? Ninguém sabe. Nem os ganhos, nem os custos. Mas isso não
interessa.
Com o Infarmed no Porto, dá-se um passo decisivo na direção
de um país mais justo, menos centralista e mais homogéneo (tente não
rir). Mesmo que, no fim da linha, só lá abra um departamento de fachada
com meia dúzia de gatos-pingados.
É certo que tínhamos de começar por algum lado. Pena que tenha sido logo por lado nenhum.
* SUBDIRECTOR
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
29/11/17
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