As mulheres da NASA
Numa das suas primeiras viagens de
trabalho, a engenheira mecânica Traci Drain estava na fila para o buffet
quando a avisaram de que já não havia sumo de laranja. Olhou,
embaraçada, para o que estava a vestir e balbuciou que não trabalhava
ali. "São as suposições que as pessoas fazem", disse a engenheira que
trabalha no Jet Propulsion Lab da NASA, em Pasadena, numa noite de
discussão sobre o filme Hidden Figures na academia.
Traci,
que começou a sua carreira como estagiária no Langley Research Center
da NASA, nunca tinha ouvido falar de Katherine Johnson, a figura central
do filme. "Foi chocante para mim, quando o filme saiu, que este tipo de
eventos históricos tenha acontecido nos edifícios por onde eu tinha
andado." Katherine Johnson é a mulher afro-americana que calculou a
trajetória de voo de Alan Shepard, o primeiro americano no espaço, e
confirmou os cálculos produzidos pelo mainframe da IBM para a órbita de
John Glenn em 1962 e para a viagem à Lua da Apolo 11, em 1969. Uma mente
brilhante que espatifou preconceitos numa altura em que a segregação
racial ainda era vigente e em que as mulheres não eram sequer
autorizadas a assistir a reuniões do Pentágono.
Cinquenta
anos depois, o trabalho pioneiro dela e de outras dezenas de mulheres
na NASA continuava nas sombras, até o filme de Theodore Melfi com Taraji
Henson o trazer para a ribalta. A NASA forneceu todo o tipo de material
histórico. "A razão por que participámos e fizemos esta campanha das
figuras modernas é que queremos inspirar raparigas para que se vejam
neste tipo de papéis", explicou o historiador-chefe da NASA Bill Barry,
durante este evento, Hidden Figures/Modern Figures. "Era fácil para mim
imaginar-me na NASA quando era miúdo." Não tão fácil para a maioria das
meninas, como é demonstrado pelos números baixos de estudantes femininas
em clubes de computadores e ciências um pouco por todo o lado. O
fenómeno, que tem sido extensamente debatido, advém de uma cultura
recente que associa ciências da computação aos rapazes. O número de
mulheres hoje nestas áreas é muito inferior ao que era nos anos 1960 e
70, antes da explosão dos computadores pessoais e do marketing dirigido
aos rapazes. Não serão certamente gerações de mulheres mais estúpidas. O
problema é outro.
"Eu era tão croma
que nunca me ocorreu que a ciência era algo que uma miúda não quereria
fazer", confessou Traci. "Demorei algum tempo a entender que há muitas
raparigas que recebem estas mensagens da sociedade e não se veem na
televisão como astrofísicas ou engenheiras, mesmo que seja
subconsciente." Está há 17 anos na NASA. Passou seis no projeto Mars
Reconnaissance Orbiter, depois na missão Kepler e agora na Juno.
Quando
era miúda, Traci recebeu da mãe os livros Terra e Espaço, que vinham
com a Enciclopédia Britânica, e ficou fascinada com a ciência. Era
superfã da série de ficção científica Star Trek. "Inspirou-me a mim e a
muitos engenheiros e cientistas que conheço", disse. "Fez-me querer
crescer para desenhar a Starship Enterprise."
Este
ambiente que fomenta a curiosidade pela ciência numa idade precoce é
fundamental. Foi o que beneficiou Powtawche Valerino, uma engenheira
nativo-americana cujos pais e professores encorajaram sempre a seguir a
sua paixão. "É muito importante que os miúdos, rapazes e raparigas,
saibam que são capazes de atingir sucesso académico em qualquer campo",
afirmou. "As crianças são gozadas porque não é fixe ser inteligente,
saber números. Powtawche, com a sua herança genética, sofreu isso a vida
toda. "Eu nem sequer sabia o que significava ser croma." No liceu,
sublinha, "foi importante ter pessoas do meu lado a apoiar a minha causa
e a ajudar a encontrar oportunidades para dar o salto". Está no JPL da
NASA desde 2005, onde trabalhou na missão Cassini e prepara agora o
lançamento de um veículo espacial que vai chegar perto do Sol.
A
história de Jennifer Trosper também é interessante: uma rapariga que
saiu dos campos agrícolas de Ohio para o MIT e acabou a ser diretora de
voo do Mars Pathfinder, que alcançou as notícias de todo o mundo em
1997. Está a trabalhar num novo rover que chegará a Marte em 2020 para
descobrir se a água que um dia correu no planeta vermelho contém
vestígios microbiológicos. É frequentemente a única mulher nos grupos de
trabalho técnicos, apesar do esforço que a NASA tem feito para aumentar
a diversidade.
"Ainda temos trabalho
pela frente", reconheceu o historiador Bill Barry. "Os dados são muito
claros: é necessária criatividade para resolver este tipo de problemas e
a diversidade é melhor para encontrar soluções." A audiência bate
palmas, mas cala-se quanto Barry atira alguns números. Dos 18 mil
empregados civis da NASA, apenas seis mil são mulheres. Destas, apenas
1200 são afro-americanas e mil desempenham cargos não científicos. O
esforço que a NASA está a fazer, trazendo para a ribalta mulheres como
Traci, Powtawche e Jennifer, é tanto um reconhecimento como uma aposta.
"Precisamos de encontrar a força de trabalho do futuro."
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
05/12/17
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