A extraordinária existência
do cidadão comum
O mundo mudou muito nos últimos anos. Tenho inveja, essa coisa feia,
da maioria dos meus amigos e conhecidos, que vivem vidas
extraordinárias, acompanhadas de pessoas espetaculares, saltando entre
programas interessantíssimos em que adoraria participar. Sortudos! Eles
não passam horas nos transportes (ou quando passam acontece sempre
qualquer coisa digna de registo), não põem os pratos na máquina e as
suas roupas, sempre impecáveis, certamente lavam-se sozinhas. Apesar de
uma ou outra peripécia mais mundana, quase tudo o que vou sabendo deles
gostava muito que acontecesse comigo.
Assim acontecem boa parte das nossas relações e interações sociais,
pelo menos até tirarmos os olhos do ecrã. Nesse momento, basta olharmos à
nossa volta para perceber que o supermercado está cheio de gente, que
as luzes estão ligadas na maioria dos edifícios de habitação, que os
carros circulam com pessoas lá dentro a caminho de casa. Mas afinal,
qual é a realidade em que vivemos: a que observamos no mundo físico,
tangível, ou aquela realidade dos alter egos que pululam os sites de
redes sociais?
É difícil suportar a afirmação de que as redes sociais são o centro
nevrálgico das nossas interações sociais, mas a utilização destas
plataformas é cada vez mais frequente e intensiva. Em Portugal, há
aproximadamente cinco milhões de pessoas entre os quinze e os sessenta e
quatro anos que usam as redes sociais. Destes, mais de 95% afirma ter
um perfil criado no Facebook, de longe a plataforma mais popular no
nosso país. Considerada a rede mais credível e que melhor informa, o
parâmetro de avaliação em que o Facebook mais se destaca das restantes
redes sociais é ser ‘o mais viciante’.
Atendendo à popularidade da
plataforma, o caráter viciante tem de ser uma das suas virtudes. Depois
do Facebook, surgem o Instagram e o Whatsapp como as redes sociais mais
utilizadas, menos viciantes e populares (apesar do Instagram ser a rede
que mais cresceu o número de utilizadores no último ano).
Em média dedicamos cento e quatro minutos por dia às redes sociais,
principalmente ao fim de semana e no período entre as 20 e as 22 horas,
sobretudo para enviar e receber mensagens e ver vídeos (as principais
utilizações para 77.7% e 67.3%, respetivamente). A maioria das pessoas
considera que a quantidade de tempo que dedica a esta atividade não
aumentou no último ano, que é adequado e que deverá manter o
comportamento nos próximos doze meses.
O principal motivo que nos leva a aderir às redes sociais é a vontade
de manter o contacto com pessoas que estão longe. É o que afirmam mais
de 50% dos utilizadores. Uma intenção nobre e um esforço louvável, sem
dúvida. Mas será que investimos, em média, quase duas horas para manter o
contacto com quem está longe? Ou as redes sociais e as vidas fabulosas
que promovemos, as nossas e as dos outros, são apenas o sonho que
gostávamos de viver e que, inevitavelmente, nos afasta da realidade?
Tenho sérias dúvidas que um like, um comentário ou até uma troca de
mensagens seja o suficiente para manter uma relação com alguém que está
longe. Duvido ainda mais que a maioria das publicações não procurem,
acima de tudo, a valorização individual no seio do grupo. No entanto,
tenho a certeza absoluta que, entre as 20 e as 22 horas, a minha vida
não é sempre fantástica aos olhos dos outros. Mas é esta a realidade em
que quero viver e implica, quase sempre, por a louça na máquina.
Nota: Os dados mencionados foram obtidos no relatório do estudo ‘Os
Portugueses e as Redes Sociais - 2017’, realizado pela Marktest. A
informação foi recolhida entre 19 julho e 7 de agosto de 2017.
IN "SOL"
04/10/17
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