Derivações
Como placas tectónicas, assim andamos nós, plantados numa superfície
líquida, movediça, aparentemente sólidos e unidos, até que nos começamos
a separar. Os abalos são de maior ou menor intensidade, mas
suficientemente fortes e regulares para dividir uma pangeia em cinco
continentes.
Dizem os mais afoitos que, de afastamento em afastamento, as partes
acabarão por se encontrar outra vez, no outro lado do globo. Corremos em
círculos durante milhões de anos para que nos possamos encontrar outra
vez. Porventura, depois recomeçar tudo. O afastamento progressivo até ao
reencontro infinito das partes.
Parece-me que estamos no momento em que as partes se assumem como o
todo. A talhada acha-se a melancia, ignorando que o globo só ficará
completamente redondo quando as suas fronteiras se ligarem às fronteiras
do próximo. Queremos andar livres e achamos que isso equivale a
andarmos sozinhos. Talvez seja que o conceito de liberdade tenha sido
mal apreendido. Ou mesmo o de amor. Se prende, não é. Nem amor nem
liberdade. Mas se une, é libertador.
Procura-se um amor que una e, ao mesmo tempo, liberte. Que junte as
partes no todo, deixando-as divagar ao sabor dos ventos e das marés,
sabendo que nessa liberdade se há-de chegar a bom porto.
Juntos enfrentamos melhor as tempestades. Aliás, as maiores
tempestades criam-se porque nos afastámos. É um efeito directo do
esfriamento global das relações humanas.
Se queremos voltar a sentir o calor do outro para nos aquecermos no gelo
da nossa solitária deriva, então juntemo-nos. Mas atenção. A cola que
se usa para unir pode acabar por ter o efeito contrário. Se for
demasiadamente fraca, acaba por soltar as partes, se demasiadamente
forte, as partes sentir-se-ão presas e quererão libertar-se.
Quer-se a cola certa. A que une sem prender. É rara de se achar, mas a
alternativa é que fiquemos cada vez mais pequenos, ilhas inabitáveis e
estéreis, onde nem as aves querem pousar. É com essa rara cola que
evitaremos a nossa triste e lenta deriva.
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
24/10/17
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