01/09/2017

CLÁUDIA SANTOS

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Kalokagathia: Um projeto 
de educação desportiva 
para o futuro

O Kalokagathia é um legado da cultura da Grécia Antiga de finais do período arcaico, em que a educação devia conduzir à harmonia humana, representada através da beleza e bondade do ser humano, a qual se alcançava pela educação do corpo e da mente. O Kalos Kagathos era o jovem que recebera uma educação completa e equilibrada, concretização de um ideal de excelência, que pretendia aliar numa só palavra a beleza física e moral: a Kalokagathia (perfeição).

Há momentos na História da humanidade em que urge a necessidade de revisitar o passado e resgatar legados que nos façam recordar a harmonia de outros tempos para melhor podermos compreender o presente a fim de organizarmos o futuro.

Por isso, o ideal de Kalokagathia pode ser muito valioso para a educação contemporânea, desafiando-nos a observar as crianças e jovens de hoje e colocando-nos a questão: Estamos a educar para a harmonia, a beleza e a bondade, através da inseparável relação, sempre virtuosa, entre o corpo e a mente?

Repare-se que a palavra Kalokagathia é composta por dois adjetivos: “Kalos” que significa Belo, e “Agathos” que significa Bom. Kalos, traduzido por Belo, está relacionado com aspetos físicos, estéticos e morais do ser humano (elemento estético). Agathos, traduzido por Bom, consiste na avaliação moral do ser humano (elemento moral). Ambas as palavras convergem em significados, tais como “nobreza, honra e dignidade”. Por isso, a Kalokagathia, enquanto ideal educativo, tem como principal função a harmonia, perfeição e força. O Equilíbrio do exterior, representado pelo corpo, com o interior, representado pelo caráter do Homem: harmonia entre o corpo e a mente. O processo educativo de Kalokagathia propõe a formação de um caráter que resplandeça no corpo. A beleza do corpo projeta-se na nobreza ou bondade da alma, da mente, do caráter.

A prática de exercício físico através do desporto mais ou menos formal consiste numa ferramenta universal que permite aliar o elemento moral (Bom) com o elemento estético (Belo) do ser humano. A estética no desporto implica a moral no desporto consubstanciada numa competição justa, nobre e leal. E é neste sentido que podemos, através do desporto, transportar o legado educativo de Kalokagathia que os antigos gregos nos deixaram, do bom e do belo, e aplicá-lo enquanto projeto social e universal de revitalização de processos educativos, tão necessários e urgentes numa sociedade como a de hoje, em que impera o “fast” TUDO: fast food, tablets, telemóveis 3G, 4G, 5G, respostas e conhecimentos à distância de um click, jogos de computador que simulam desportos e vitórias sem a necessidade de mover o corpo, amizades em micro-segundos, compras à distância de um click. Uma panóplia de escolhas que nos deixam inertes enquanto seres humanos em movimento, transformando-nos em seres tecnológicos e imóveis.
Estamos a assistir a uma migração massiva dos campos de futebol, campos de jogos, jardins infantis, (e.t.c.); para as lojas de tecnologia, jogos virtuais e computadores.

As crianças são aparentemente “harmonizadas” com os tablets e telemóveis, colocando o corpo ao serviço da tecnologia, educando do exterior para o interior, tirando a oportunidade de conhecimento interior que depois se reflete no exterior. 

Assim, Kalokagathia é um modelo educativo que nos apela, enquanto pais, educadores, professores, jornalistas, investigadores, adultos; a colocarmos o corpo das crianças e jovens em movimento, usando o desporto, ferramenta universal, ao serviço da humanidade enquanto seres humanos em movimento! 

Cabe-nos tomar esta decisão: Educamos para o corpo em movimento, harmonia, nobreza, beleza e bondade; ou educamos para a inércia, vazio do corpo, hiperconsumo pelo turboconsumidor, eterna insatisfação como produto do consumo imediato!


Kalokagathia é um projeto educativo e social que coloca o desporto ao serviço da humanidade através da harmonia entre o corpo e a mente, transformando o desportista num ser humano equilibrado e harmonioso que integra o “belo” com o “bom”, o exterior com o interior numa unidade entre virtudes físicas, como saúde, beleza e força; e virtudes interiores, como valentia, moderação e justiça.

Doutoranda em Sociologia e Gestão de Desporto, FMH- Universidade de Lisboa

IN "A BOLA"
25/08/17

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