São todos corruptos!
É evidentemente mais grave quem governa aceitar convites de uma empresa em litígio com o Estado que um deputado pagar (antes ou depois) uma viagem em que esteve com empresários. Como é que se pagam bilhetes que são convites (a custo zero e não transacionáveis) é já outro mistério...
Vinte e dois tipos atrás de uma bola durante noventa minutos
chegariam para o corromper? A si, meu caro leitor, sim. Um joguinho de
futebol. Depois de ter abdicado da sua carreira profissional para ir
ganhar metade do salário para o Estado e perder toda a privacidade, um
jogo de futebol influenciaria as suas decisões contra o interesse
nacional? Não? Não gosta assim tanto de futebol? Ou não é assim tão
corruptível? E de viagens, o que acha?
Fernando Rocha Andrade era um dos secretários de Estados mais
competentes do atual governo; não só tecnicamente como em categoria
política. Tanto a oposição quanto os bolsos dos contribuintes o
sentiram: a eficácia era tremenda. A sua audição em Bruxelas sobre
paraísos fiscais foi um exímio exemplo de como dizer tudo o que tinha
para dizer sem dizer aquilo que não se podia ouvir.
Hugo Soares, apesar de uma primeira semana algo tosca, não pode ter
chegado a líder de bancada mais jovem do PSD nos últimos dez anos sem o
mínimo de capacidades – eu, pelo menos, espero que não.
Nem um nem outro estão distantes da investigação que decorre no Ministério Público, ainda que com responsabilidades divergentes.
É evidentemente mais grave alguém que governa aceitar convites de uma
empresa em litígio com o Estado que um deputado pagar (antes ou depois)
uma viagem em que esteve com empresários. Como é que se pagam bilhetes
que são convites (a custo zero e não transacionáveis) é para mim outro
mistério, que ficará certamente para o MP.
A questão, algo irónica, e que tem escapado ao debate nos casos das viagens de políticos é também outra.
Se um deputado for avençado de uma empresa – e eu não estou a dizer
que algum deles é – poderia ter ido aos jogos do ‘Euro à ‘vontadinha,
sem processos, sem levantamentos de imunidade. Dito de outro modo:
segundo a lei, se a empresa x me levar ao jogo y e eu receber uma avença
mensal dessa empresa, não há qualquer tipo de crime. É trabalho, é um
cliente e é legal.
Dois dos deputados envolvidos, pelo contrário, estão em regime de
exclusividade na Assembleia da República, prescrevendo de qualquer
rendimento além do parlamentar, o que significa que não mantêm relações
profissionais com nenhuma empresa. A moral da história, nesse sentido, é
que a dedicação em exclusivo não compensa.
Alguém, por exemplo, pensa que o primeiro-ministro, quando se senta
no camarote do estádio da Luz, influenciará de algum modo a legislação
deste governo em benefício do Benfica? A mim, não me passa pela cabeça. E
não se trata exatamente de um deputado anónimo.
Sugiro, por isso, aos carrascos da praça pública que façam o
seguinte: respeitem a comunicação social, mas esperem pela justiça;
mantenham a exigência, mas não generalizem.
É que no dia em que eles “forem todos corruptos”, qualquer um de nós
poderá também sê-lo. Incluindo o meu caro leitor, que eu sei, porque o
conheço bem e há algum tempo, nunca faria tal coisa.
IN "SOL"
01/08/17
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