A mão que afaga o monstro
São duas as opções perante a catástrofe
iminente. Podemos assistir serenos e impávidos ao desmoronar dos mais
elementares alicerces da liberdade ou, então, desatamos a arregimentar o
sofá ao eterno descanso, fazendo a nossa parte, partindo para o
combate. São duas atitudes passíveis de entendimento: uma, a maioria
silenciosa, abre a boca de espanto e exclama; a outra, minoria ruidosa,
solta as palavras da boca e passa à demanda. Normalmente, é esta última
que faz revoluções, alarga o passo da história e apressa o tempo que no
relógio tarda a passar.
A eleição de
Donald Trump convocou um Mundo em maioria silenciosa. O espanto
globalizou-se e a onda de choque fez o seu caminho até ao momento em que
o impacto se desvaneceu perante os dislates com que diariamente nos
brindava em folha seca de Twitter. No fundo, voltou a ganhar a corrida
dos primeiros nove meses de presidência com os mesmos métodos que
utilizou para vencer a corrida presidencial até às eleições: conseguiu
convencer-nos, novamente, a olhar para o acessório e não para o
essencial do que representa, é e executa. Enquanto nos silenciámos
maioritariamente para assistir à sua pantomina e estupidez, Trump foi
moldando o Mundo à sua ideologia. E não admira que seja ele o pai
adoptivo que todos os fascistas gostariam de adoptar. Racistas,
neonazis, "alt-right", Ku Klux Klan. E assenta-lhe bem, como a obra
assenta ao pai criador.
A forma
desculpabilizadora como reagiu à violência terrorista de Charlottesville
diz tudo sobre o perigo real que representa. Após marchas de ódio
iluminadas a tochas, saudações, cânticos nacionalistas, bandeiras e
fumos neonazis, depois da morte de uma pessoa que não se silenciava
perante a atrocidade, após um dia que envergonhou e ensombrou a América e
o Mundo, Trump condenou a violência "em vários lados". Em vários lados.
Escolheu afagar o monstro, passou a mão pelo pêlo daqueles que ponderam
a vida dos outros em função da cor, religião ou costumes. Precisamente
porque parte de dentro dela para a implodir, Trump é o inimigo público
n.º 1 da democracia no Mundo. E merece ter a sua cabeça a prémio,
afixada em cartaz desde a sala oval até ao mais saloio saloon. Trump tem
razão: nem todos os homens são iguais, ele é diferente.
Há um espelho no Pontal português e, infelizmente, é fiel. A
radicalização extremista do PSD não pára de crescer e nem os
acontecimentos em Charlottesville impediram Passos de vomitar demagogia
sobre a política de imigração em Portugal. Depois de apoiar a xenofobia e
racismo do candidato à Câmara de Loures, Passos Coelho escolheu
estender o seu PSD num caixão indistinto, "qualquer um". Espera-se a
"qualquer momento" que o líder do PNR também o caracterize como "um dos
meus".
* MÚSICO E JURISTA
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
15/08/17
.
Sem comentários:
Enviar um comentário