Woody Guthrie não se enganou
Woody Wilson Guthrie, mais conhecido por
Woody Guthrie, foi o mais destacado criador norte-americano de música
folk, com uma reconhecida e decisiva influência em Bob Dylan e nos
restantes nomes dessa corrente musical. Ficou famoso também pelo facto
de trazer um colante na sua viola que dizia This machine kills fascists e
por ter deixado às gerações futuras canções como This Land Is Your Land
(que nunca prometeu que se tornasse "outra vez grande").
Guthrie
nunca gostou dos Trump, até porque conheceu a visão que Fred Trump
tinha dos negros nos seus blocos de apartamentos em Nova Iorque,
afastando-os em claro benefício dos brancos.
Woody
Guthrie foi um incansável viajante, escreveu o livro autobiográfico
Bound for Glory, que deu origem a um filme com o mesmo nome, foi casado
três vezes e teve oito filhos, um dos quais é Arlo Guthrie, um dos mais
influentes intérpretes da geração folk a que pertence Bob Dylan.
Nascido
em Oklahoma, conheceu a privação, a doença e a miséria, acabando por
morrer em Nova Iorque em 3 de Outubro de 1967, vítima da doença de
Huntington. Parte da sua família morreu de forma trágica, caso da irmã
Clara, que pereceu num incêndio, e do pai, que ficou gravemente ferido
num fogo ocorrido posteriormente. A mãe, Nora, foi atingida pela mesma
enfermidade. Nos últimos anos de vida, Woody Guthrie esteve
impossibilitado de tocar viola por ter ficado com um braço ferido num
acidente.
No início dos anos 50 do
século passado, o cantor vivia num grande complexo residencial
propriedade do empreiteiro Fred Trump, pai do actual presidente dos
Estados Unidos. Não gostou da forma como os brancos eram favorecidos em
detrimento dos negros e sabe--se que chegou a escrever uma canção
intitulada O Velho Trump, denunciando o que sabia ser errado naquela
prática empresarial marcada pelo preconceito racial. Dizia o cantor
nesse tema que em Beach Haven, a torre de Trump, não havia negros a
vaguear.
O pai Trump tratou de entregar
a liderança do produtivo negócio familiar ao filho Donald. O
Departamento de Justiça chegou a apresentar, em 1973, uma queixa contra
pai e filho, acusando-os de se recusarem a negociar os arrendamentos com
negros. O filho assumiu a defesa dos interesses familiares e colocou a
defesa nas mãos de Roy Cohn, um advogado que trabalhara com o senador
Joseph McCarty na perseguição aos comunistas em Hollywood.
Donald
Trump logo tratou, à sua inconfundível maneira, de atacar o governo,
afirmando que ele conduzira um inquérito inspirado no estilo da Gestapo.
O
actual presidente dos Estados Unidos passou a vida envolvido em
querelas e processos desta índole, o que se reflecte no seu
comportamento pessoal e político em termos globais. Nunca agiu ou pensou
de outra forma. O que hoje acontece nos Estados Unidos e que alimenta a
imprensa de todo o mundo devido à truculência que caracteriza aquele
comportamento e o pensamento do presidente é apenas o reflexo de uma
vida inteira a ajustar contas com o mundo, com a diferença e com os
valores da própria democracia.
Woody
Guthrie, que esteve perto dos comunistas mas nunca aceitou filiar-se no
Partido Comunista do Estados Unidos, percebeu bem com quem estava a
lidar e o perigo que resultava de não denunciar uma prática racista na
Nova Iorque de meados do século XX. Escreveu uma canção que dizia o que
tinha a dizer. Morreu doente e pobre na década seguinte, mas a sua
"máquina de matar fascistas" colocou a família Trump num lugar de que é
muito difícil sair na memória de um país livre e democrático.
Quem
fecha as portas a negros e as outras minorias étnicas em blocos de
apartamentos também arranja campos para os isolar, enfraquecer e atacar.
O tempo se encarregará de dizer como tudo isto irá acabar.
* Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
27/08/17
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