Fracos lutadores
olímpicos, aspirantes
a títulos honoríficos…
Há
quem diga que a história não se repete. Contudo, o futuro também não
surge por acaso. E não surge por acaso na medida em que os dirigentes,
no mais confrangedor desconhecimento da história e num utilitarismo
imediatista que os afasta da compreensão técnico-científica dos
problemas, passam a vida a tentar “inventar a roda” e, em consequência, a
utilizar os mesmos procedimentos e a cometer os mesmos erros que já
foram cometidos no passado.
Por
isso, de há muito tempo a esta parte, perante uma enorme e profunda
abulia governamental, existem dois problemas no desporto nacional que se
vêm a repetir ao longo dos anos. Em primeiro lugar está a ausência de
contraditório com que, salvo as devidas exceções, se processam as
eleições que decorrem com listas únicas nas organizações do vértice
estratégico do desporto nacional que acabam por revelar uma fraca
cultura olímpica de competição. Em segundo lugar, um apetite muito
especial para com as condecorações com que, sem qualquer razão
minimamente credível e perante o olhar divertido da sociedade, os
dirigentes se agraciaram uns aos outros.
Mas, como o futuro não
surge por acaso, estas duas particularidades característica da cultura
desportiva nacional – fracos lutadores olímpicos e aspirantes a título
honoríficos - não é de agora. Ela já vem de longe e o primeiro a
denunciá-la foi Francisco Nobre Guedes (1893-1969) presidente do Comité
Olímpico de Português (COP) de 1957 a 1968 que, uns anos antes, numa das
suas prosas de ataque à situação que se vivia no COP liderado por José
Pontes (1879-1961) escrevia no Diário Popular: “Contra o que pode iludir
o sucesso aparente, o Olimpismo atravessa uma fase crítica. Tem de
vencer maiores riscos do que no período de crescimento, para não se
perder ou para não se aviltar, o que seria pior. Precisa ao seu serviço
de quem compreenda a necessidade da luta e nela se empenhe
conscienciosamente. Não admite fracos lutadores ou aspirantes a títulos”
(1955-109-03).
Nobre Guedes referia-se a José Pontes que no
COP, devido ao exagerado número de anos sofregamente agarrado ao poder,
foi atingido pelo mal de hybris e perdeu-se no exercício de uma
liderança profundamente incompetente, ao estilo “magister dixit” do
tradicional “quero, posso e mando” tão português. Contudo, apesar de
José Pontes ser alguém com uma incontida vaidade pessoal e um homem do
regime ao tempo em que o respeitinho fascista era muito bonito, não foi
por isso que apresentou queixa contra Nobre Guedes um assumido opositor a
Salazar, obrigando-o a, pelo menos, fazer uma visita à Rua António
Maria Cardoso 22. Quer dizer, apesar de tudo, ainda havia da parte de
muito boa gente, sobretudo no mundo do desporto, uma certa nobreza na
luta política, característica de cultura democrática, representada,
entre outros e em muitas circunstâncias, pelo jornal “A Bola”.
Entretanto,
devido aos estragos que José Pontes estava a provocar no desporto
nacional, depois do desastre que foi a Missão portuguesa aos Jogos
Olímpicos de Melbourne (1956), como o Governo da altura não lhe dava
dinheiro para distribuir pelas Federações Desportivas, estas, à força,
apearam-no da presidência do COP e mandaram-no para casa. O problema
maior foi que, o apego ao poder, a incontida vaidade pessoal e a
irresponsável incompetência de José Pontes, deram origem a uma das
maiores crises (1956-1963) pelas quais Movimento Olímpico português já
passou, muito embora a Missão Olímpica portuguesa aos Jogos Olímpicos de
Roma, com o COP já sob a liderança de Nobre Guedes, tenha sido bem mais
positiva.
Infelizmente, sessenta anos depois dos JO de Melbourne
(1956), perante os medíocres resultados conseguidos nos Jogos Olímpicos
do Rio de Janeiro (2016) apesar dos exorbitantes subsídios ao COP, o
exemplo de José Pontes não serviu para nada. Em consequência, ao
contrário daquilo que aconteceu à presidência de José Pontes, tudo
continua na mesma pelo que já se está a trabalhar com acrescida
competência burocrática, na ilusão de que, numa estratégia de “mais do
mesmo”, os resultados em Tóquio (2020) possam vir a ser muito diferentes
dos conseguidos nas últimas edições dos Jogos Olímpicos.
Embora
o futuro não surja por acaso, Francisco Nobre Guedes não suspeitou
certamente que, sessenta anos depois, as suas palavras, relativas aos
fracos lutadores olímpicos e aos aspirantes a títulos honoríficos,
continuariam a estar na ordem do dia.
*Professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana
11/08/17
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