27/08/2017

EDUARDO CINTRA TORRES

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Continente, NOS, 
Meo, Salvelox

O sotaque nacional não ajuda. Muitos falamos de forma incompreensível. Muitos filmes portugueses precisariam de legendas para portugueses, quanto mais para brasileiros ou angolanos. Mas fazer um anúncio de 30 segundos em que não se percebe quase nada?

E, sim, fizeram. O reclame televisivo do "regresso às aulas" dos hipermercados Continente é protagonizado por crianças que falam para a câmara. São várias. Eu não percebi quase nada do que diziam. Voltei atrás. Pus o televisor mais alto. Revi. E voltei a não perceber quase nada do que dizem os miúdos.

Será de propósito? Eu sei lá. Tudo é possível na publicidade. Dir-me-ão que os miúdos falam assim. Pois que falem. Mas numa comunicação pública para milhões de pessoas não devem falar sem que possam ser entendidos. Dir-me-ão que o anúncio se destina aos miúdos. Ai é? E quem leva o cartão multibanco para pagar a conta? São os patetas dos pais que aparecem no anúncio, e que os miúdos consideram mais crianças do que elas mesmas. Passam o tempo todo do anúncio indignadas com as cenas ridículas que os pais fazem, como se elas, crianças, ainda fossem crianças. Crianças são os pais, sugere o reclame. E vemos, sim, há tempo para tudo nos anúncios, vemos os pais a fazer umas duas ou três cenas ridículas. Os pais das crianças portuguesas devem ter adorado ver o anúncio em que são ridicularizados e foram todos a correr aos supermercados Continente fazer as compras para o regresso às aulas dos filhos. Claro que foram, dirão os publicitários; as crianças "identificaram-se" com os protagonistas do reclame e disseram aos papás que compras do regresso às aulas - eles é que decidem - só no Continente. E lá vão os patetas dos pais atrás.

Como é que as grandes contas de publicidade nacional têm anúncios destes? Podia falar dos anúncios da NOS. Depois de Nuno Lopes, que quase salvava uma campanha ligeiramente irritante, chegou agora a "segunda temporada", com Bruno Nogueira. Um desastre. Sem graça. Repete o colorido universo onírico da anterior campanha. A dizer que "este Verão vão chover smartphones" quando este Verão o país só quer é que chova chuva para apagar os incêndios. Com uma conversa sem graça sobre coisas que não se percebem. E, depois, agrava-se a situação porque nunca vi uma campanha tão repetida a toda a hora, a toda a meia hora, em tantos canais. Depois de Nuno Lopes e Nuno Nogueira, quem fará a terceira temporada? Será Nuno Markl? Até tremo.

E depois há aquele anúncio televisivo da Meo também a anunciar telemóveis aos pontapés com uma família debaixo de água a fingir debaixo de água que fala ao telemóvel debaixo de água sem nenhum deles debaixo de água ter telemóvel na mão debaixo de água porque todos estão debaixo de água. É porque é Verão e porque Verão é praia, portanto bastou aos publicitários o gesto dos protagonistas estarem debaixo de água a fingir que falam ao telemóvel.

Estarão os publicitários a precisar de férias? De praia? De água fria do mar oceano no córtex cerebral?

Ao menos um anúncio dos "pensos hidrocolóides" para "bolhas e roçaduras" da marca Salvelox é tão tonto que até chama a atenção. Mostra em plano aproximado um skate no asfalto e sobre o skate estão os tornozelos e os pés duma mulher, equipada de saltos altos. "Mantém-te em movimento com Salvelox!" Cá está uma aplicação plena do segredo da comédia e de tanta publicidade: exagerar uma situação. Calçada vai no seu skate, Leonor, pelo asfalto. Vai formosa de salto alto!

"Que nunca pares por te doerem os pés", diz o reclame. Que nunca os publicitários parem é também o meu desejo - excepto no Verão.


IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
23/08/17

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