Férias, espancamentos
e esmolas
Costa concluiu, com inteira razão, que estar ou não estar aos comandos é igual ao litro. As últimas semanas, com o seu rol de mortos, feridos e roubalheiras militares épicas, demonstram-no
António costa foi de férias. Alguns não gostaram. Parece-me injusto. Uma
pessoa assalta o poder depois de ter perdido as eleições. O plano era
simpático: calar a extrema-esquerda, herdar os frutos do governo
anterior e tirar retratos sorridentes com o défice e o crescimento
económico. Ninguém lhe tinha dito que governar o País significava velar
pela segurança dos portugueses. Costa, com admirável espírito infantil,
amuou e saiu do recreio. Se era para isto, mais valia estar na
Quadratura do Círculo.
O gesto revela, em primeiro lugar, que o
nosso primeiro-ministro é um caso ímpar de humildade. Sei que a palavra
não combina com os modos do senhor. Ilusório: Costa concluiu, com
inteira razão, que estar ou não estar aos comandos é igual ao litro. As
últimas semanas, com o seu rol de mortos, feridos e roubalheiras
militares épicas, demonstram-no. Entre o País ou a família, Costa sabe
que faz mais falta à família.
Até porque o País, segundo consta, não se importa grandemente com a
deliquescência do Estado. Antes de ir de férias, o português sensato
liga os alarmes. Costa fez o mesmo: encomendou um estudo de opinião para
ver se ainda estava nas graças dos desgraçados portugueses. Estes
responderam afirmativamente, talvez por constatarem que vivem em
Portugal e ainda estão vivos.
DONALD TRUMP NÃO PÁRA. Agora,
partilhou um vídeo – um meme, para usar a linguagem apropriada – onde
surge a agredir um lutador de wrestling que tem na cabeça o logo da CNN.
Os jornalistas horrorizaram-se com a cena. O mundo também. Apesar de
tudo, eu considero um progresso. Nos saudosos tempos de Theodore
Roosevelt, a luta não era a fingir: o Presidente gostava de boxe (sempre
um bom sinal), praticava o desporto desde os tempos juvenis e chegou a
promover combates em plena Casa Branca. Nem sempre correram bem: cegou
de um olho depois de um jab bem metido. Foi um dos segredos mais bem
guardados da sua Presidência. Mas divago. Porque o meu ponto é outro:
Emmanuel Macron. O leitor leu muito sobre Trump. Mas será que o
informaram que Macron, quebrando a tradição, não tenciona conceder a
habitual entrevista do Dia da Bastilha?
Os assessores explicaram
porquê: o pensamento elaborado de Macron não se adapta aos maniqueísmos
da pergunta-resposta. "É demasiado complexo", disseram. Por outras
palavras: na sua obsessão paranóica e grotesca com os jornalistas,
Donald Trump concede-lhes uma importância obviamente desproporcionada.
Importância e, sejamos honestos, uma fonte permanente de falatório e
receitas. Macron, pelo contrário, não espanca jornalistas. Limita-se a
passar-lhes um atestado de imbecilidade intelectual. Se eu fosse
jornalista, preferia apanhar.
UM CONHECIDO MEU, rapaz com estudos
e carreira profissional confortável, vive em Oeiras e vai votar
Isaltino. Quando ouvi a confissão, saltei da cadeira e tentei salvar a
sua alma. Ele sorriu, disse o óbvio (sim, os crimes, etc.) mas
acrescentou o óbvio também: "O que me interessa é que eles trabalhem."
Lógica exemplar: é indiferente se o autarca tem a ficha suja; não é
indiferente saber se ele fez um trabalho limpo.
Imagino que esta
lógica esteja presente no resto do País: segundo um estudo recente,
metade dos portugueses aceita a corrupção autárquica. Os especialistas
debruçam-se sobre os números, lamentam a falta de "sensibilidade cívica"
e pedem mais educação para a democracia.
Percebo os
especialistas. Choro com eles. Mas não é difícil explicar a tolerância
do nosso povo: quando olham para Lisboa, sobretudo em lugarejos
distantes, o que existe é desprezo, desconfiança ou até medo. Um
sentimento perfeitamente compreensível à luz das tragédias recentes.
O
autarca, quando é corrupto, pelo menos é um deles: uma espécie de
coronel de novela que distribui as esmolas. Meter a mão na caixa só
seria grave se não houvesse partilha respectiva. Em muitas autarquias do
País, não houve propriamente eleições nos últimos anos. O que existiu
foi uma espécie de parceria público-privada com vantagens para ambas as
partes. Em Outubro será diferente?
IN "SÁBADO"
08/07/17
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