30/05/2017

CRISTINA AZEVEDO

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Portugal fechado

Já aqui disse que fui a pé a Fátima pelos caminhos de Santiago. Significa isto que fiz aproximadamente 250 km pelo interior dos concelhos de Gaia, S. João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Albergaria, Águeda, Mealhada, Coimbra, Ansião e Ourém.

O percurso faz-se ou pelas serras ou por aldeias. Passamos certamente por mais de 30. Em todas o mesmo cenário. Os campos, ainda com marcas de cultivo, a serem tranquilamente abafados por erva, braços de árvores de fruto por podar e sebes de amoras selvagens. De quando em quando restos de muros de pedra, precisos e minuciosos na construção e na divisão do que outrora foi património e base de sustento.

As casas de dois tipos. As do antigamente, de pedra, baixinhas, de telhados colapsados e cortinas rasgadas nas janelas estreitas. As flores, já murchas em vasos de cimento - dos que tinham uma carta de jogar dentro de um losango em cada face.

As de agora, também em duas versões. As que foram do antigamente mas que o descendente emigrado restaurou: dobraram os pisos, renovaram-se os telhados que já não acabam em bicos nas pontas à maneira de pagodes mas, nalguns casos, ainda têm pombas e cata-ventos vistosos. Parecem confortáveis. Têm na sua maioria jardins cuidados, ou não, dependendo de estarem, ou não, à espera da visita anual do dono, emigrado. E estão fechadas.

Há depois as outras, enormes e verdadeiros sinais de localização do pouso do dono. Chalés à maneira dos suíços, cabanas à maneira do Quebec, mansões à maneira colonial americana. Parecem confortáveis, têm jardins igualmente cuidados, ou não, dependendo da ajuda que os donos, que só vêm no verão, conseguem arranjar. E estão fechadas.

Nestas mais de 30 aldeias por onde passamos há casas fechadas e não há gente. As poucas casas abertas que encontramos estão vazias porque os donos trabalham na cidade mais próxima e as crianças, se as houver, estão no centro escolar da sede do concelho. Quase todos os táxis que usamos tinham condicionamento de horários por causa de três ou quatro crianças que diariamente levavam e traziam à escola.

Não falo de Trás-os-Montes, das Beiras ou do Alentejo. Falo de uma faixa de território de concelhos do Norte e Centro que, normalmente, consideramos encostados à faixa litoral.
São territórios que vão simplesmente deixar de ter vida humana. Os emigrantes que hoje vêm uma vez por ano abrir as casas novas não têm descendência que lhes siga os passos. As casas novas terão daqui a pouco os tristíssimos cartazes desbotados que hoje abanam rasgados nas casinhas do antigamente.

Portugal está a fechar e nós andamos entretidos com décimas do PIB.

* ANALISTA FINANCEIRA

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
25/05/17

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