Portugal fechado
Já aqui disse que fui a pé a Fátima pelos
caminhos de Santiago. Significa isto que fiz aproximadamente 250 km pelo
interior dos concelhos de Gaia, S. João da Madeira, Oliveira de
Azeméis, Albergaria, Águeda, Mealhada, Coimbra, Ansião e Ourém.
O
percurso faz-se ou pelas serras ou por aldeias. Passamos certamente por
mais de 30. Em todas o mesmo cenário. Os campos, ainda com marcas de
cultivo, a serem tranquilamente abafados por erva, braços de árvores de
fruto por podar e sebes de amoras selvagens. De quando em quando restos
de muros de pedra, precisos e minuciosos na construção e na divisão do
que outrora foi património e base de sustento.
As
casas de dois tipos. As do antigamente, de pedra, baixinhas, de
telhados colapsados e cortinas rasgadas nas janelas estreitas. As
flores, já murchas em vasos de cimento - dos que tinham uma carta de
jogar dentro de um losango em cada face.
As de agora, também em duas versões. As
que foram do antigamente mas que o descendente emigrado restaurou:
dobraram os pisos, renovaram-se os telhados que já não acabam em bicos
nas pontas à maneira de pagodes mas, nalguns casos, ainda têm pombas e
cata-ventos vistosos. Parecem confortáveis. Têm na sua maioria jardins
cuidados, ou não, dependendo de estarem, ou não, à espera da visita
anual do dono, emigrado. E estão fechadas.
Há
depois as outras, enormes e verdadeiros sinais de localização do pouso
do dono. Chalés à maneira dos suíços, cabanas à maneira do Quebec,
mansões à maneira colonial americana. Parecem confortáveis, têm jardins
igualmente cuidados, ou não, dependendo da ajuda que os donos, que só
vêm no verão, conseguem arranjar. E estão fechadas.
Nestas
mais de 30 aldeias por onde passamos há casas fechadas e não há gente.
As poucas casas abertas que encontramos estão vazias porque os donos
trabalham na cidade mais próxima e as crianças, se as houver, estão no
centro escolar da sede do concelho. Quase todos os táxis que usamos
tinham condicionamento de horários por causa de três ou quatro crianças
que diariamente levavam e traziam à escola.
Não
falo de Trás-os-Montes, das Beiras ou do Alentejo. Falo de uma faixa de
território de concelhos do Norte e Centro que, normalmente,
consideramos encostados à faixa litoral.
São
territórios que vão simplesmente deixar de ter vida humana. Os
emigrantes que hoje vêm uma vez por ano abrir as casas novas não têm
descendência que lhes siga os passos. As casas novas terão daqui a pouco
os tristíssimos cartazes desbotados que hoje abanam rasgados nas
casinhas do antigamente.
Portugal está a fechar e nós andamos entretidos com décimas do PIB.
* ANALISTA FINANCEIRA
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
25/05/17
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