Trump e a guerra
Muitos nos enganámos no resultado das
eleições presidenciais americanas. Mas poucos nos equivocámos quando
previmos aquilo que o início do mandato de Donald Trump poderia vir a
ser. A agenda externa de Trump foi, desde o primeiro momento, observada
com uma curiosidade preocupada por muitos amigos tradicionais dos
Estados Unidos. Os sinais de estranha simpatia para com Putin, a
agressividade desproporcionada perante o México, a sobranceria algo
agressiva face à União Europeia, algum desdém face à NATO, um discurso
com uma ligeireza irresponsável sobre a proliferação nuclear, um total
desprezo pelas Nações Unidas e sinais de hostilidade aberta para com a
China mostravam uma política externa com a abertura de várias "frentes"
de contraste. Os EUA de Trump assumiam uma linha de revisão, não apenas
da linha da administração democrática anterior, mas igualmente da
América que, desde há quase sete décadas, fora o campeão de uma nova
ordem multilateral e da arquitetura institucional e segurança a que
aculturara o Mundo que se revia na sua liderança.
Trump
anunciou espécie de novo isolacionismo, uma agenda nacionalista movida
exclusivamente por interesses de natureza económica, que esquece os
valores referenciais que, por muito tempo, haviam colocado os EUA na
posição de liderança global. A contestação dos tratados em vigor (como a
NAFTA, com o México e o Canadá), já assinados (como a parceria
transpacífica com os seus aliados ásio-oceânicos) ou em curso de
negociação (como a parceria transatlântica com a UE) revelou um impulso
protecionista pouco óbvio para uma potência que foi sempre um dos
grandes ganhadores do livre-cambismo. A cereja no bolo são agora os
recuos antiambientais na área da energia, que podem colocar em causa
compromissos laboriosamente conseguidos à escala global.
Dei
a este artigo o título que ele tem porque, para além de todas as
incertezas que atrás referi, começam a adensar-se sinais sérios de que
não é de excluir que a ação externa de Trump possa vir a assumir
contornos de natureza um pouco mais complexa. Aquilo que nos chega da
Casa Branca quanto à vontade de empreender uma ação "exemplar" no caso
da Coreia do Norte (com as imponderáveis consequências na República da
Coreia e na atitude da China) ou uma eventual presença "boots on the
ground" na Síria (com o embate expectável com a Rússia e o Irão), são
sinais de que pode estar a forjar-se em Washington um tropismo algo
aventureirista, uma espécie de "fuga em frente", que podem confirmar os
piores receios que a eleição de Trump suscitou pelo Mundo.
* EMBAIXADOR
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
07/04/17
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
07/04/17
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