Pai presente, pai distante,
pai ausente, pai inexistente
O pai distante não precisa ser um pai ausente. Há inúmeros pais
que se fazem presentes onde quer que nós estejamos. Há inúmeros pais
que, mesmo quando morrem não deixam seus filhos sozinhos.
Datas comemorativas como dia dos pais, dia das mães e dia dos
namorados geram, sem dúvidas, grandes alegrias. Mas geram, na mesma
medida, alguma dor. São estas datas que nos perfuram como navalhas nos
lembrando o sabor amargo das ausências.
O dia dos pais no Brasil é só em agosto, mas dói não estar com meu
pai nesse domingo no qual se comemora o dias dos pais em Portugal. Oito
mil quilômetros me separam de uma tarde boa no sofá, assistindo a um
jogo de futebol com ele, enquanto dividimos a pipoca e falamos mal do
lateral direito de uma equipe qualquer, como sempre foi.
Mas eu definitivamente não tenho um pai ausente. Nem nessa data nem
em nenhuma outra. Ainda que eu esteja em Xangai e ele em
Pindamonhangaba, sei que ele nunca estará ausente. Eles está sempre
absolutamente presente, seja através de mensagens atrapalhadas pelo
telefone ou pelo fato de nunca, nem um minuto, estar fora dos meus
pensamentos.
O pai distante não precisa ser um pai ausente. Há inúmeros pais que
se fazem presentes onde quer que nós estejamos. Há inúmeros pais que,
mesmo quando morrem não deixam seus filhos sozinhos. Porque a
representatividade deles nas nossas existências não é enfraquecida nem
pelo tempo, nem pelos quilômetros, nem pela fragilidade da vida.
Por outro lado, há dezenas de pais deliberadamente ausentes. Pais
ausentes que até aparecem quando lhes é conveniente. Um jantar agendado,
um almoço em horário comercial. Pais que permitiram que a distância
fosse se abrindo como abre-se uma cratera no chão, até que o buraco
torne-se intransponível e que reste apenas um olhar afastado para alguém
que praticamente nem se conhece. Eles ainda estão lá, mas já são um
pouco desconhecidos e também já não sabem bem que filho é aquele.
Já os pais inexistentes, frequentemente até aparecem nos documentos
de identidade de seus filhos, mas não existem como pais verdadeiros.
Podem telefonar algumas vezes no ano, ter endereço fixo, mas
simplesmente não existem. Existem como homens, como profissionais, como
vizinhos. Mas não como pais. Não se classificam como um mau pai ou como
um pai ausente porque simplesmente não são pais.
Pais ausentes e pais inexistente frequentemente não fazem ideia dos
danos que causam. Quantas sessões de terapia são necessárias para
amenizar seu descaso? Quantos relacionamentos malfadados seus filhos
terão por conta desse vazio? Quanto isso refletirá na vida deles como
pais ou mães? Pais ausentes e inexistentes convencem-se de que tudo vai
bem sem eles (ou apesar deles), mas eles sabem que não vai. Nunca vai.
O que sei é que ter um pai distante dói. Mas ter um pai distante
presente é uma sorte. É saber que a solidez e o amparo deles não estão
vulneráveis a variável nenhuma. Não importa onde eles estejam, eles
sempre estão conosco. Pais presentes. É isso que importa. Acertando ou
errando, mas tentando, fazendo seu melhor. O que todo mundo precisa é
saber que eles estão sempre aqui, mesmo quando não estão.
IN "OBSERVADOR"
19/03/17
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