12/03/2017

JOSÉ PACHECO PEREIRA

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Os riscos da polarização


A degradação do pensamento crítico ao nível da guerra civil é destrutiva do debate público e funciona como uma rasoira para se ver tudo a preto e branco

No ambiente de grande polarização que se vive na vida pública portuguesa, como aliás na maioria das democracias europeias e nos EUA, que foram atingidos pela crise financeira e os seus "remédios" ou pela crise dos refugiados e pelo terrorismo islâmico, a tendência para a arregimentação é cada vez maior. Ou se está com os "nossos" ou se é dos "outros". Esta degradação do pensamento crítico ao nível da guerra civil é destrutiva do debate público e funciona como uma rasoira para se ver tudo a preto e branco. E o pior de tudo, é que faz com que muita gente acabe por legitimar as piores das coisas apenas porque estão mais do nosso lado do que do "deles", ou pior ainda, porque são inimigos dos nossos inimigos, logo acabam por ser nossos amigos.

Trump e os offshores
Infelizmente é o que está a dar, e é muito visível no modo como Trump acaba por ser defendido pela direita, como agora se descobriu uma corte de amigos dos offshores e da sua utilidade para o "comércio internacional". Claro que há muita gente que gosta de Trump nas redes sociais e não tem medo de o dizer, mas no debate fora dos subterrâneos pouca gente o apoia explicitamente, a não ser quando ele é atacado pelos "outros"… Aí há trumpismo que chega e sobra. O mesmo com os offshores, cuja legalidade encontra muitos defensores não só nos que trabalham com os ditos, na banca, nos escritórios de advogados, nas consultoras financeiras, mas também nos defensores do "ajustamento" e nos comentadores económicos e outros da mesma escola, que passam logo da legalidade para a legitimidade e ao interessante "direito de legítima defesa" do capital, que o leva a procurar os paraísos fiscais. Se não fosse um governo do PSD-CDS que estivesse em causa na questão dos offshores e fosse um do PS (e nalgumas alturas podia bem ser), imaginem o que os mesmos diriam da maldade dos offshores e da traição da esquerda vendida ao capital (e muita está…).

A "perseguição das vozes independentes"
Estamos de novo a assistir a mais um toque a rebate da direita a favor da "perseguição" que o Governo Costa faz a entidades "independentes" como o Governador do Banco de Portugal e Teodora Cardoso do Conselho de Finanças Públicas. Deixo já para trás, a palavra "perseguição", por pura caridade cristã, visto que não sabem o que ela significa, mas vou ao que significa juntar os dois casos e os dois nomes, como se os problemas fossem os mesmos. Aqui, repete-se a história do Trump e dos offshores: como eles foram atacados por gente da "geringonça", ai que lá se vão as "nossas liberdades". Prescindo de comentar as "liberdades" de novo também por caridade cristã, mas vou à amálgama.

Teodora Cardoso
Sucede que eu acho que Carlos Costa Governador do Banco de Portugal devia ir-se embora e Teodora Cardoso, não. Os dois casos são muito diferentes e a amálgama é má. Comecemos por Teodora Cardoso. Nunca estive a favor de enxamear o estado de entidades como o Conselho de Finanças Públicas, como aliás outras como a ERC, e muitas entidades reguladoras que não regulam coisa nenhuma, desde logo pela contínua transumância dos seus responsáveis entre as entidades reguladoras e as empresas que é suposto regularem. Mas, sendo contra a existência do Conselho de Finanças Públicas, entendo que enquanto existe, os seus membros podem dizer com liberdade o que entendem, e as suas opiniões valem pelo acerto que tenham.

Teodora Cardoso faz parte de uma estirpe de pessoas que funcionam como um mastim sobre o défice e a dívida, mas num país como Portugal, mais do que em muitos sítios, elas são precisas. É verdade que o excesso de opiniões negativas, em particular nos momentos errados, assim como um contínuo fluxo de previsões que não se verificam, prejudicam a credibilidade de Teodora Cardoso e do órgão que representa. Mas, mesmo assim, entendo que é útil alguém lembrar ao Governo que o equilíbrio que pretende entre as exigências europeias e a necessidade de o País se desenvolver, está sempre por um fio. Teodora Cardoso está sempre a lembrar isso, mas os defensores da reestruturação da dívida também o fazem.

Carlos Costa
Quanto a Carlos Costa, as coisas são de outra natureza, e a sua recondução feita pelo governo de Passos Coelho nunca deveria ter acontecido. À época já se sabia o bastante de como o governador tinha tratado os casos em que o Banco de Portugal falhara redondamente na supervisão. Essas falhas agravaram consideravelmente a crise da Banca e, no caso do BES, criaram um sério problema de credibilidade para o Banco de Portugal e para o governador. Tudo o que se vai sabendo, e ainda há coisas que não se sabem, agrava a sua responsabilidade e põe em causa a sua competência e autoridade. E, é verdade, existe um problema de salvaguarda da independência do Banco de Portugal, mas não é de agora. É de quando, no processo de resolução do BES, e nos meses antes e depois da sua recondução, se deu uma aproximação indevida de Carlos Costa ao governo PSD-CDS, a que não é alheia não só a recondução, como a sua defesa nos dias de hoje por parte de Passos Coelho e do PSD.
Como estão a ver, convém não misturar tudo no mesmo saco. Acho bem que Teodora Cardoso possa dizer o que diz, mesmo que não se concorde, e mal que Carlos Costa continue governador do Banco de Portugal. 


IN "SÁBADO"
10/03/17

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