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* ADVOGADO
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
29/03/17
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A União Europeia
andou a gastar tudo
numa bebedeira ideológica
Custou-me partilhar a comoção que na semana passada se abateu sobre a pátria por causa das declarações do presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem.
"O holandês" (como o passámos a tratar, com aquela admiração e
deferência típicas dos cosmopolitas mais sofisticados) não disse
exactamente que os europeus do Sul andaram a desbaratar "em álcool e
mulheres" a solidariedade dos países do Norte. E eu, que tenho reservas
limitadas de indignação, não as desbarato com acusações não literais.
Além
disso, admito que somos especialmente dados ao hedonismo. Os europeus
do Sul são, como diz Agustina dos habitantes da Foz do Douro, "gente
minuciosa no trabalho, mas não sacrificada por ele. Convivente,
habitual", com "uma certa resistência ao mito da finalidade". O gosto
pela boémia é uma "acusação" que prefiro devolver com bonomia
mediterrânica, lembrando o contributo que o nosso caldo cultural, essa
vida contemplativa e ociosa, foi dando ao longo dos séculos para que a
humanidade se erguesse da barbárie.
O
que não quer dizer que as declarações sejam inócuas. A metáfora do
"álcool e mulheres" revela que no subconsciente de Dijsselbloem estava o
preconceito corrente dos europeus do Norte sobre a falta de juízo dos
vizinhos do Sul. Um preconceito que um político tem a responsabilidade
de amortecer, evitando repeti-lo, explícita ou implicitamente.
O
facto de esse preconceito ter por base uma certa verdade - mesmo uma
verdade não desprimorosa - não melhora a situação. Se quem usa essa
verdade a acha uma pedra pronta a arremessar, tal é suficiente para
estarmos perante um preconceito. É o que muitos europeus do Sul fazem
quando recorrem ao ascetismo protestante ou à suposta obsessão judaica
com o dinheiro para criticar o espírito austeritário dos povos do Norte.
Numa entrevista a Clara Ferreira Alves, na revista do Expresso, em
2013, José Sócrates, orgulhoso e triunfante, revelou que num Conselho
Europeu se virou para o primeiro-ministro da Holanda e o acusou de
pensar segundo um "calvinismo reles". Não duvido de que muita gente
pousou a revista e se levantou em aplauso.
A desconfiança
entre os povos e as subcorrentes de preconceito que as estimulam não
circulam num só sentido. As diferenças civilizacionais entre os europeus
não têm de se converter em manifestações de pura xenofobia, mas fazem
parte da natureza da Europa.
O período traumático que a UE
atravessa tem raiz num estado de embriaguez ideológica em que a
"construção europeia" viveu nas últimas décadas, com a ilusão de que os
europeus estavam envolvidos num sentimento de comunidade ou de que, por
força de sucessivos tratados, directivas e regulamentos, esse espírito
comunitário acabaria naturalmente por nascer.
Mas a
solidariedade e a partilha de soberania entre países não são impulsos
naturais dos europeus. E a harmonização forçada, por decreto, não cria
nos povos a convicção de que estão unidos por um destino comum.
Aliás,
no futuro, será cada vez mais difícil que, pela simples razão da
proximidade geográfica, um português se sinta culturalmente mais próximo
dos finlandeses ou dos austríacos do que dos norte-americanos ou dos
brasileiros.
A UE é, também ela, uma vítima do efeito
disruptivo da globalização económica, cultural e tecnológica. Assumi-lo,
abstendo-se de novos saltos em frente que só sublinhariam as diferenças
competitivas dos países, em vez de premiarem as suas vantagens
relativas, seria uma boa forma de comemorar sessenta anos.
Sessenta anos é uma boa idade para se ganhar juízo.
* ADVOGADO
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
29/03/17
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