20/02/2017

RICARDO COSTA

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Sexta-feira e outros dias

O título deste Expresso Curto é fácil e vinha mesmo a calhar. Mas o arranque desta sexta-feira é feito dos despojos da véspera e, sobretudo, dos ecos de “Quinta-feira e outros dias”, o livro em que o ex-Presidente da República Cavaco Silva presta (ou ajusta) contas com a história muito recente do país. Não tão recente ao ponto de olhar para o atual governo ou mesmo para o anterior, da coligação PSD-CDS – isso ficará tudo para um segundo volume - mas suficientemente recente para acertar em cheio nos governos de José Sócrates.

Antes de qualquer análise ou juízo de valor, convém recordar que esta ideia de “prestar contas” é absolutamente coerente em Cavaco Silva. Quando deixou o Ministério das Finanças e, claro, quando deixou o governo, Aníbal Cavaco Silva passou a escrito e publicou a sua visão detalhada dos tempos que esteve no poder. Este livro, goste-se ou não do conteúdo e da data de publicação chega tão programado como um comboio pontual.

Agora, é absolutamente inegável, que, ao contrário dos tomos sobre a sua longa governação entre 1985/1995, - Autobiografia Política I e II, este livro dedica muitas, mesmo muitas, páginas à relação com “o outro”, não na melhor tradição hegeliana, mas na simples relação com quem se sentava do outro lado de uma pequena mesa, José Sócrates. E, por causa disso, é muito mais polémico e também importante do ponto de vista histórico do que, por exemplo, Cavaco Silva relatou sobre os anos em que ele próprio se sentou do outro lado da mesa, como primeiro-ministro enquanto Mário Soares era Presidente.

É a grande diferença deste livro, o tom. Porque Cavaco Silva respeitava e admirava Mário Soares – apesar das profundas divergências e imensas dificuldades de relação política e pessoal – e não gosta de José Sócrates. Não gosta, não confia, e isso vê-se como facilidade. O desaparecimento do respeito e da confiança está plasmado no livro, transformando a prestação de contas num inevitável acerto de contas.

Quinta no lançamento, numa sala apinhada do CCB, o autor fez questão de sublinhar a linha em que a publicação do texto se insere – coerente na sua biografia e muito habitual em várias democracias ocidentais, em que os protagonistas publicam com impecável regularidade as suas memórias políticas – e Manuel Braga da Cruz, apresentador do livro, sublinhou a sua absoluta normalidade, no político que mais eleições venceu em Portugal (quatro com maiorias absolutas) e mais tempo esteve no poder.

Mas este livro tem uma importância extrema por ajudar a fazer a história de um período dramático que nos levou a mais um resgate e, mais recentemente, ao primeiro processo de corrupção que envolve um ex-primeiro-ministro. A história nunca ficará completamente feita sem as memórias deste período de José Sócrates.

A segunda edição do livro que a Porto Editora pôs quinta de manhã à venda já vem a caminho. O segundo volume destas memórias vai demorar muito mais porque ainda não começou a ser feito e Cavaco Silva nunca perdeu o hábito de escrever minuciosamente à mão. Vai demorar, portanto.


* Director de Informação da SIC


IN "EXPRESSO"
17/02/17

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