Trumpalhadas
A Europa vê-se a braços com o redesenhar de equilíbrios externos num contexto em que pouco ou nada pode fazer, até pela pouca credibilidade que tem o comprometimento conjunto.
O início de presidência de Trump tirou as dúvidas a quem as tinha. Nada será como dantes é o ‘understatement’
do ano, e se a missão da Diplomacia americana fica mais fácil, a vida
dos diplomatas fica mais complicada. Para a Europa, fica a amarga
sensação de ter estado a apostar no cavalo errado, se é que havia outro
cavalo em que apostar. E se as apostas de Trump são em larga medida
insustentáveis a prazo – o unilateralismo primário, o virar de costas ao
vizinho México, etc. – os danos de curto prazo são importantes, a
começar por 70 anos de política externa consistente.
A Europa vê-se assim a braços com o redesenhar de equilíbrios
externos num contexto em que pouco ou nada pode fazer, até pela pouca
credibilidade que tem o comprometimento conjunto. O Reino Unido já
largou lastro e quer negociar com Trump o seu novo estatuto de primeiro
parceiro dos americanos, sem sequer ter ainda começado a negociar a
saída da União, enquanto esta mesma União protesta contra a ordem
executiva do presidente americano a proibir a entrada no país de
nacionais de alguns países muçulmanos, mesmo que refugiados. Federica
Mogherini, a Alta Representante da UE para a Política Externa e de
Segurança, já ameaçou Trump com prisão, o que não o deve ter incomodado
em nada dada a sua atitude para com a UE – o provável embaixador que
Trump nomeará, Ted Malloch, já disse que no passado participou na queda
da União Soviética e que há agora “outra União a necessitar de ser
domesticada”, que em 2017 o euro acabará e que a UE tentar impedir o
Reino Unido de negociar acordos com os americanos é o mesmo que o marido
tentar impedir a mulher de ter um caso. Entretanto, Guy Verhofstadt, o
“chief Brexit negotiator” do Parlamento Europeu, pôs Trump a par de
Putin e dos islamitas radicais como as três maiores ameaças para a
União. Isto é só o começo…
Também a aproximação de Trump a Putin obriga a Europa a repensar a
sua atitude face à Turquia e, talvez, a voltar atrás sobre as posições
mais recentes. Somado a um ‘disengagement’ americano da Nato,
mesmo que parcial, obriga a Europa a refazer a sua política de defesa,
dependente da americana e com fraquezas evidentes agravadas com o
Brexit, que deixa a França como único país com real capacidade militar
mas com limitada capacidade económica de a sustentar (a sua dívida
pública é quase igual ao PIB). Isto quando neste país se instala a
confusão para as eleições presidenciais, na altura em que o Penelopegate
pode fazer a direita perder o seu candidato e a esquerda ainda está a
descobrir se o tem. No momento em que os leitores europeus se dão conta
que o Brexit não foi a catástrofe prevista, mesmo se este ainda não se
deu, uma vitória do populismo na Holanda em março e França em abril
pode criar uma situação insustentável na Europa, na véspera das eleições
alemãs e italianas.
O pior é que isto não é tudo: parafraseando Rumsfeld, mais do que as ‘known unknowns’ deviam preocupar-nos as ‘unknown unknowns’ que ainda vamos descobrir.
* Economista
IN "JORNAL ECONÓMICO"
03/02/17
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