06/02/2017

FERNANDO PACHECO

15.




Trumpalhadas

A Europa vê-se a braços com o redesenhar de equilíbrios externos num contexto em que pouco ou nada pode fazer, até pela pouca credibilidade que tem o comprometimento conjunto.

O início de presidência de Trump tirou as dúvidas a quem as tinha. Nada será como dantes é o ‘understatement’ do ano, e se a missão da Diplomacia americana fica mais fácil, a vida dos diplomatas fica mais complicada. Para a Europa, fica a amarga sensação de ter estado a apostar no cavalo errado, se é que havia outro cavalo em que apostar. E se as apostas de Trump são em larga medida insustentáveis a prazo – o unilateralismo primário, o virar de costas ao vizinho México,  etc. – os danos de curto prazo são importantes, a começar por 70 anos de política externa consistente.

A Europa vê-se assim a braços com o redesenhar de equilíbrios externos num contexto em que pouco ou nada pode fazer, até pela pouca credibilidade que tem o comprometimento conjunto. O Reino Unido já largou lastro e quer negociar com Trump o seu novo estatuto de primeiro parceiro dos americanos, sem sequer ter ainda começado a negociar a saída da União, enquanto esta mesma União protesta contra a ordem executiva do presidente americano a proibir a entrada no país de nacionais de alguns países muçulmanos, mesmo que refugiados. Federica Mogherini, a Alta Representante da UE para a Política Externa e de Segurança, já ameaçou Trump com prisão, o que não o deve ter incomodado em nada dada a sua atitude para com a UE – o provável embaixador que Trump nomeará, Ted Malloch, já disse que no passado participou na queda da União Soviética e que há agora “outra União a necessitar de ser domesticada”, que em 2017 o euro acabará e que a UE tentar impedir o Reino Unido de negociar acordos com os americanos é o mesmo que o marido tentar impedir a mulher de ter um caso. Entretanto, Guy Verhofstadt, o “chief Brexit negotiator” do Parlamento Europeu, pôs Trump a par de Putin e dos islamitas radicais como as três maiores ameaças para a União. Isto é só o começo…

Também a aproximação de Trump a Putin obriga a Europa a repensar a sua atitude face à Turquia e, talvez, a voltar atrás sobre as posições mais recentes. Somado a um ‘disengagement’ americano da Nato, mesmo que parcial, obriga a Europa a refazer a sua política de defesa, dependente da americana e com fraquezas evidentes agravadas com o Brexit, que deixa a França como único país com real capacidade militar mas com limitada capacidade económica de a sustentar (a sua dívida pública é quase igual ao PIB). Isto quando neste país se instala a confusão para as eleições presidenciais, na altura em que o Penelopegate pode fazer a direita perder o seu candidato e a esquerda ainda está a descobrir se o tem. No momento em que os leitores europeus se dão conta que o Brexit não foi a catástrofe prevista, mesmo se este ainda não se deu, uma vitória do populismo na Holanda em  março e França em abril pode criar uma situação insustentável na Europa, na véspera das eleições alemãs e italianas.

O pior é que isto não é tudo: parafraseando Rumsfeld, mais do que as ‘known unknowns’ deviam preocupar-nos as ‘unknown unknowns’ que ainda vamos descobrir. 

* Economista

IN "JORNAL ECONÓMICO"
03/02/17

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