A TSU e a
decisão óbvia de Passos
Mariana Mortágua acusou o PSD de votar contra a descida da TSU "apenas para dar uma lição à maioria parlamentar". Que maioria?...
A deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua, na televisão,
acusou o PSD de votar, ao lado do Bloco, contra a descida da TSU,
"apenas para dar uma lição à maioria parlamentar". E a pergunta que se
impõe é a seguinte: que maioria? Onde está a maioria?
Independentemente
de ser muito irónico que o Bloco não fique contente ante a perspetiva
de a sua posição ser aprovada no Parlamento - e de conquistar para a sua
causa o apoio de um número tão significativo de deputados... - a
verdade é que Mariana tem razão. É mesmo para dar uma lição à maioria
que o PSD vota assim. O contrário é que seria de espantar!
Ponhamo-nos,
por momentos, na pele de Pedro Passos Coelho. Eu sei que é difícil, mas
façamos um esforço. E o que se segue, não é para dar razão ao líder do
PSD, mas para compreender as suas razões. Não se trata de tomar partido,
mas de fazer a fria análise.
Há um ano, e apesar de ter
ganho eleições, e de chefiar o maior partido em número de deputados,
Passos Coelho foi impedido de governar porque, ao lado, se erguia uma
alternativa maioritária, que nos foi vendida - a nós e ao Presidente
Cavaco Silva - como «sólida» e «estável», palavras textuais de António
Costa. Agora pergunta-se: qual o líder da oposição que não aproveitaria
esta oportunidade de ouro para demonstrar precisamente o contrário?
Correção: a isto não se chama bem dar uma lição: chama-se fazer
política. E golpes como estes conhece-os bem António Costa...
Volto
a corrigir: isto não é uma questão de lição nem de fazer política: é
uma questão de luta pela sobrevivência política. Com esta decisão,
Passos Coelho passa à ofensiva, reforça o estado anímico, tão
debilitado, do seu partido e explora, como é seu papel, uma fissura
muito grave entre o PS, e o Governo, por um lado, e os partidos que o
apoiam, pelo outro. Que político minimamente sagaz, no seu lugar, não
faria o mesmo?
Se o PSD caísse na armadilha, cedesse à
pressão e aprovasse o negócio firmado na Concertação Social, estaria a
fornecer a António Costa o melhor de dois mundos: o primeiro-ministro
governaria com a esquerda a maior parte do tempo e com o apoio da
direita sempre que lhe conviesse. Tornar-se-ia a charneira do sistema,
um governo sem oposição. Com a patine de negociador quase milagreiro,
ainda por cima, isto seria muito melhor do que ter maioria absoluta!
Ao
mesmo tempo, os partidos à esquerda sentir-se-iam livres para divergir e
marcar o seu ponto, sem causar problemas ao governo, sem pôr em causa o
essencial, sem provocar crises políticas e, portanto, sem arriscar o
regresso da direita. E permitindo-se falar para os seus eleitorados, sem
terem de engolir demasiados sapos. E tudo graças ao PSD! É pedir de
mais.
Tudo isto seria normal se António Costa chefiasse um
governo minoritário com necessidade de se entender, conforme os
diplomas, os temas ou as decisões, com uns ou com outros. Mas não é nada
disso que se passa. Costa chefia um Governo apoiado pelos partidos à
esquerda. E, como disse Francisco Assis, fá-lo, ainda por cima, numa
deriva, talvez nem sempre sua, mas sempre protagonizada por muitos dos
responsáveis e governantes socialistas, de «sectarização e hostilização
constante contra a direita». A reação de Passos Coelho não é apenas
política: é humana.
Mas há mais: o aumento do salário
mínimo é uma medida popular, que o Governo não deixará de capitalizar
eleitoralmente. Continuando na pele de Passos Coelho, é difícil
colaborar com este desiderato, e permitir, com o seu voto ou a sua
omissão, que o Governo venha a recolher os louros, e ainda por cima
continuar a fazer papel de odioso.
Chegado a este ponto,
perguntar-se-á: está bem, mas isso são os interesses partidários! E o
País? Não será o bem comum aquilo que deve, em primeiro lugar, nortear
as deisões dos políticos, estejam eles no governo ou na oposição? E o
aumento do salário mínimo não é uma coisa boa? E eu respondo: sim e sim.
Então vejamos a substância deste acordo de concertação social, para
sabermos se a decisão do PSD é apenas motivada por revanchismo ou se ela
se pode sustentar em argumentos de racionalidade na governança.
A
Segurança Social encontra-se exaurida. Todos nós, os que temos menos de
55 anos, sabemos que as nossas reformas estão em risco. Muitos de nós
já perdemos a esperança de algum dia virmos a beneficiar delas, como
existem atualmente. Cortar na TSU é depauperar ainda mais o conteúdo
desse «mealheiro». Claro que o Governo recorreria ao Orçamento de Estado
e aos impostos para repor o dinheiro. Além disso, a medida é temporária
(como tantas outras que vão ganhando barbas...). Mas fazer isso é
subsidiar este aumento e, portanto, confessar que não há condições de
crescimento económico ou desafogo das empresas que o justifique ou
pague! É uma medida política e, se é uma medida política, o Governo deve
ter a coragem de a impor, por lei, aprovada no Parlamento, sem procurar
a benção da concertação! Como sempre defendeu, aliás, o PCP! E arcando
com os respetivos riscos económicos!
E a coerência do
PSD, que sempre propôs esta redução? É verdade. Mas o político que nunca
foi incoerente, que atire a primeira pedra. Que o diga o
primeiro-ministro. E há uma nuance, nesta incoerência: ao mesmo tempo
que a direita propunha, para as empresas, o desafogo na TSU, defendia,
mal ou bem, uma reforma da Segurança Social que, eventualmente, passaria
pela privatização parcial do setor. Não concordamos com isto, mas, ao
menos, tinham a sua solução, bem diferente do que foi, agora, acordado
na concertação. A segurança social perdia receitas, mas também diminuía
despesas. Ora, a solução do Governo não oferece nada mais do que comer
nos impostos.
E a coerência do PS? Sim, o PS defendia, no
seu programa inicial, uma baixa da TSU, que as posições conjuntas
assinadas com os partidos à sua esquerda acabaram por rejeitar. Mas, de
forma subreptícia, e a coberto da concertação social, o PS preparava-se
para trair esses compromissos, contornando os acordos e recuperando a
ideia inscrita no tal programa inicial. PCP e Bloco, esses sim,
coerentes, não deixaram passar a esperteza saloia.
Quem deu uma lição a quem?
IN "VISÃO"
19/01/17
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